Lupin Cap 10...
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Por Maria Dias
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N/A: Música do capítulo: Wolf Like Me - TV on the Radio. Clique aqui e coloque para carregar.
Eu costumo associar melhor o ambiente que eu escrevo quando já sei como ele é. Então eu peguei algumas imagens dos locais mostrados anteriormente (e alguns que serão citados mais para frente) para dar uma ideia de como é a cidade:
Casa (Mas imagine algo mais cheio de árvores em volta)
Warrenton High School
Ponte que liga Warrenton a Talapus
Lago Cullaby
No primeiro dia de aula logo após as férias de Natal eu estava sozinha; Matthew havia levado Hayden no aeroporto logo cedo, então Gavin teve que me dar carona até a escola. Enquanto eu andava calada até chegar no meu armário, comecei a pensar que deveria fazer alguns amigos por ali, eu não poderia depender de Daniel, Lisa e Matthew o tempo todo. Ainda havia Ellie, mas eu ainda não tivera chance de me aproximar dela de verdade - e nem teria agora, pelo visto, com tudo aquilo que não saía da minha cabeça. Minha prioridade, na verdade, era encontrar Daniel e exigir as respostas mais claras que eu merecia.
Ainda sem sinal de ninguém que eu procurava, nem mesmo de Ellie. Recolhi meus livros no armário e andei até a minha primeira aula, que também era de Lisa, pelo menos. Me sentei no mesmo lugar de sempre e fiquei olhando para a porta, esperando que ela chegasse logo. Várias pessoas entravam, mas nem sinal dela. Só quando o sinal bateu e o professor de Matemática apareceu que eu finalmente vi Lisa entrando atrás dele, com pressa e os olhos levemente arregalados. Ela imediatamente me localizou e veio na minha direção, se sentando na carteira da minha frente. Enquanto todos ainda conversavam e o professor ainda se organizava, ela se virou para o meu lado e começou a falar com a voz contida e baixa.
- Eu sei que você deve me odiar agora, mas eu não pude ficar muito tempo aquele dia, o Daniel realmente não podia saber que eu fui te procurar.
- Não precisa se desculpar, eu já falei. - insisti, falando mais baixo ainda. - Eu só quero conversar com vocês dois, com calma e com tempo de sobra.
- Por que? - ela perguntou com certo medo no olhar.
- Por que? - repeti, arregalando os olhos. - Não sei, Lisa, por que será? Talvez seja porque vocês dois são... bom, você sabe, e eu não saiba nada e preciso pelo menos acalmar a minha cabeça de qualquer pensamento maluco que possa surgir. Que aliás, já surgiu!
Lisa me lançou um último olhar antes de se virar para frente quando o professor começou a falar. Soltei um suspiro pesado e me encostei na cadeira, sabendo que a minha concentração estaria bem longe dos números do quadro e do livro. Eu precisava falar com os dois o mais rápido o possível, mas não era bem o que parecia acontecer; os minutos se arrastavam e meu pensamento ia para bem longe da aula.
Quando finalmente os dois horários passaram, Lisa veio atrás de mim no corredor em direção à nossa próxima aula, essa sim com Daniel. Ela não havia dito nada, mas não era necessário, pelo olhar dela pude perceber que ela não estava gostando nada que eu tivesse pensado demais no assunto. Mas isso já não me importava, eu só queria tirar aquelas desconfianças da minha mente. Além do mais, eu teria que perguntar novamente sobre lobisomens, porque aquele simples comentário de Lisa não havia me convencido, e havia algo de muito estranho em Jacob quando eu escutei sua conversa com Sam - bom, tudo era estranho, não era exatamente uma surpresa.
Daniel estava parado na porta da sala de História, já olhando significativamente para nós duas. Todo aquele efeito que ele tinha em mim, a razão perdida, o deslumbramento... não acontecia mais. Simplesmente tudo fora embora no momento que eu comecei a ficar desconfiada. Um encantamento que foi desfeito de uma hora para outra e que, aparentemente, dera lugar a outro.
Ele entrou quando nós duas passamos e sentou-se do outro lado da sala. Minha vontade era de gritar e pedir logo que os dois me esclarecessem tudo, mas eles continuavam fugindo. E se eu não resolvesse naquele dia, eu provavelmente ficaria louca. Não conseguia focar a minha atenção por mais que 10 minutos em qualquer outra coisa, isso me custaria um bom dia a mais de estudo, mas não me importava.
Mas um sinal havia tocado e lá estava eu, ao invés de sair correndo, andando na direção de Daniel com determinação. Ele se levantou do lugar e se posicionou na minha frente, talvez fosse intimidador, mas eu estava fastando todo o medo de mim - não sabia por quanto tempo seria eficaz, mas enquanto estivesse funcionando, tudo bem.
- Me encontrem na biblioteca daqui a meia hora, vocês duas. - ele disse, simplesmente, com a voz baixa e sem emoção nenhuma.
Percebi Lisa ao meu lado, também muito séria. Era o intervalo do almoço, então a biblioteca estaria praticamente vazia, a perfeita oportunidade para falar livremente sobre o assunto.
Nem me importei de estar com fome, só fui direto ao lugar marcado enquanto Lisa usava a desculpa de guardar os livros no armário. No canto mais extremo, bem longe da janelas e da mesa da bibliotecária, estava Daniel, com a cabeça abaixada para um livro qualquer. Andei sem pressa para a mesa onde ele estava e puxei uma cadeira na sua frente. Ele continuou com os olhos no livro e só se movimentou quando Lisa chegou ao seu lado e se sentou. Respirei fundo três vezes e encarei-os de verdade.
- Vocês me devem algumas respostas.
Os dois só se entreolharam como se não entendessem do que eu estava falando.
- Não se façam de retardados - continuei, abandonando a voz vontida e partindo logo para a minha vontade desesperada. - Eu não tive a chance de conversar direito com nenhum de vocês desde o Natal, desde que e vi você - apontei para Daniel - cheio de sangue. Tudo bem, eu acredito no que você me disse sobre vampiros, por mais surreal que seja... Mas você não me disse praticamente nada. Quer dizer, nada sobre vocês dois. Como eu posso saber se eu não preciso mesmo ter medo?
- Eu já disse que nós não bebemos sangue humano. - Lisa disse. - Nós não podemos.
- Podem sim. - afirmei. - Até parece que, para vocês, deve ser muito difícil fingir um assassinato normal na cidade, ou um acidente. Vocês podem não se alimentar de sangue humano agora, ou pelo menos frequentemente, mas eu tenho certeza que vocês já fizeram alguma coisa por aqui. Sei lá, vocês podem muito bem terem pego alguém para beber do sangue e, depois, apagado a memória ou hipnotizado a pessoa... - Lisa fez sinal de me interromper novamente e eu acelerei a fala - E não adianta me dizer que vocês não podem fazer isso porque eu sei que podem. Eu mesma já senti essa "influência" que vocês tem na minha cabeça... ou melhor, que vocês tinham. No momento que eu me afastei de vocês dois eu já senti a diferença... Como se antes eu só visse o que estava precisamente na minha frente e ignorasse a visão periférica. Então, podem começar a pensar no que vocês vão me dizer.
- E o que é que você quer que a gente te diga? - Daniel perguntou de forma ameaçadora, se inclinando na minha direção com os braços cruzados. - Que nós somos os bonzinhos da história? Que nossa existência é assombrada pela imortalidade nas trevas? Eu deixei bem claro para você que sangue humano é a melhor coisa que eu já provei, mas que eu não bebo atualmente. Nós não somos herois ou mocinhos de um best-seller, nós só queremos ter uma vida normal na medida do possível.
- Isso é verdade... - Lisa sussurrou sem olhar para mim. - Não importa o que a gente diga, você nunca vai acreditar. Se saírmos um milímetro fora da linha, nossos "padrinhos" - ela fez aspas com os dedos - chamam nossos criadores imediatamente e aí sim nós estamos mortos.
- E por que os seus criadores não ficam aqui com vocês? - perguntei.
- É complicado, eu já te disse isso antes. - Daniel começou, mas a voz baixa de Lisa o interrompeu.
- Você meio que sabe o motivo, .
Até Daniel olhou para ela sem entender. Eu fiz a mesma cara, sem fazer ideia do que ela estava falando. Logo eu que estava completamente perdida já ia saber de alguma coisa?
- Como assim? - ele perguntou antes que eu o fizesse.
- Você me perguntou sobre lobisomens aquele dia. - ela respondeu, olhando para mim. - É por causa deles.
Daniel arregalou os olhos na minha direção, fazendo uma cara como quem havia tomado um soco no estômago. Aquela velha sensação da cabeça pesando voltava aos poucos, me fazendo ficar confusa na minha própria mente.
- Ela sabe? - Daniel disse, sem direcionar a pergunta para nenhuma de nós duas. Lisa assentiu, embora eu soubesse dos lobisomens bem menos do que eu sabia sobre os vampiros. - Como?
- O que vocês tem a ver com lobisomens?
- Anjos da Noite, toda essa merda, é isso que temos a ver com eles. - Daniel respondeu na frente dela.
Ah, aquilo era meio óbvio. Lobisomens e vampiros, inimigos mortais. Por um segundo eu achei que fosse idiotice, mas então me lembrei da bagunça toda que eu havia me envolvido e pensei no quanto aquilo não era nem um pouco improvável. Aliás, fazia total sentido.
- Ok, eu vou precisar de um pouco mais de informações. Lisa, eu não sei praticamente nada de lobisomens, na verdade, eu só sei que eles existem... e você mesma me falou que não conhecia nenhum!
- Tá... eu menti, mas só porque eu não sabia que tipo de coisa você estava procurando! - ela se apressou em dizer. - Olha só, há um grupo de lobisomens ou transmorfos, como queria chamar, na reserva Talapus.
- Eu sei, isso eu já percebi. - revirei os olhos, ansiosa por respostas mais concretas e diretas.
- Os lobisomens expulsaram nossos criadores daqui. - Daniel respondeu. - Por isso eles não voltam, mas Lisa e eu não podemos ir para outro lugar, não é fácil arrumar alguém que, primeiro, acredite em vampiros e, segundo, aceite morar com dois deles. Nossos padrinhos tem uma espécie de acordo com os lobisomens. A garantia que nós não "perturbamos" o fluxo sanguíneo é que nos mantém na cidade, a salvo de qualquer ataque de ambos os lados.
Então eles realmente não se alimentavam de humanos... ou, como eu havia pensado antes, se alimentam, sim, mas deixam isso bem escondido e manipulado para não acabarem expostos. Lisa e Daniel pareciam saber bastante sobre os lobisomens, e eu ainda não tinha ideia do que pensar sobre eles.
Cruzei os braços sobre a mesa e encostei minha testa na madeira, sentindo o cheiro de produto de limpeza. Eu tinha vontade de rir, chorar e gritar ao mesmo tempo, mas estava cansada demais para qualquer um dos três.
- Você já está envolvida demais com os lobisomens. - ouvi Lisa dizendo, parecendo rir com escárnio. - Bem mais do que com nós dois.
- Ei, o que vocês sabem sobre isso? - levantei meu rosto, me lembrando instantaneamente das duas conversas que eu havia escutado, entre Harry e Billy e entre Jake e Sam. Ainda estava sem resposta alguma e eu não parecia perto de descobrir nada.
- Isso você tem que perguntar a eles, aos seus amiguinhos transmorfos. - disse Daniel com um ressentimento explícito.
Era engraçado vê-lo desse jeito, eu quase podia sentir algo como ciúme vindo dele. Claro, não havia a menor possibilidade dele saber sobre Jake e eu, ou sobre qualquer coisa que acontecia em Talapus... Bom, na verdade havia sim. Eu me recusava a admitir que e era a que menos sabia das coisas, afinal de contas.
- Nós já te demos tudo. - Daniel levantou as mãos no ar e se jogou na cadeira. - Agora é com eles também. Ah, e nós ficaríamos gratos se você não nos mencionasse demais... sabe como é, nós não somos os cidadãos favoritos por aqui.
- É, isso seria bom... - Lisa concordou, ainda estranhamente quieta e insegura, como eu nunca havia visto. - , nós nunca contamos isso a ninguém... Se você sabe da verdade, é porque você significa alguma coisa para nós dois. Eu só peço para você confiar na nossa palavra, só isso. Não podemos te obrigar a aceitar tudo isso, só queremos a confiança recíproca.
- Claro, claro... - respondi, realmente aceitando o que ela havia dito. - Eu nunca diria isso a ninguém. Olha, eu só fiquei muito preocupada e tudo aquilo vindo na minha cabeça de uma vez só... Vocês obviamente sabem, não é algo fácil de aceitar assim do nada.
- Nem me fale. - Daniel comentou com desdém.
Ignorei e continuei conversando normalmente, agora sim meus nervos acalmados e em seus devidos lugares. Minutos depois, nós três saímos da biblioteca em silêncio. No corredor, Daniel fez menção de ir para o campo de futebol, enquanto Lisa e eu tomamos o mesmo caminho. Mais uma vez, ela estava perturbada e calada como nunca, isso não pude deixar de notar. Mas até que dava para entender, afinal, eu também estava assim - tudo bem, com um toque mais histérico e nervoso.
Não digo que as aulas seguintes foram produtivas, mas com certeza as explicações na biblioteca favoreceram para que eu mantivesse o foco por mais tempo. Claro, não tanto assim, eu ainda tinha que arrumar um jeito de voltar para Talapus e falar com Jake urgentemente. Por mais que eu parecesse determinada e decidida, como é que eu chegaria até ele e falaria uma coisa dessas? Já era a segunda vez que eu me aventurava num assunto que não era do meu domínio. Ah sim, e eu não sabia o que esperar quando o visse pessoalmente de novo; depois do nosso encontro só nos falamos por telefone duas vezes, até tentamos sair mais uma vez, mas ele sempre tinha que desmarcar. Ficava com aquele ar de "quando vamos falar sobre o que aconteceu em Seasise" que me deixava com um vazio na cabeça.
Lisa me olhava com uma cara preocupada, talvez eu estivesse deixando as emoções transparecerem com muita facilidade. Estávamos no lado de fora da escola, matando alguma aula extracurricular qualquer - ela era excelente aluna e eu era um desastre em qualquer coisa que exigisse espontaneidade, então não era como se algum professor fosse perder seu tempo atrás de nós duas. Ela continuou me encarando como se tivesse algo de muito errado com o meu rosto e, com muito jeito, decidiu perguntar.
- , você está passando bem?
- Não sei se "bem" descreve o que eu estou passando, sabe. - respondi, me referindo a tudo. - Mas digamos que não estou nos meus melhores dias.
- Ah, sei... Quer comer alguma coisa? Você está sem cor no rosto e a sua pulsação diminuiu um pouco. - ela perguntou, acrescentando esses detalhes.
- Tudo bem, acho que eu preciso comer mesmo. - respondi, indicando com um aceno uma lanchonete que ficava no quarteirão à frente da escola. - E, Lisa, me dê um tempo para me acostumar com a ideia antes de vir com comentários do tipo "sua aorta está meio fraca hoje", ok? - perguntei, forçando um sorriso.
Ela revirou os olhos e sorriu junto, me acompanhando na direção da lanchonete. Muita gente - ou o que entende-se por muita gente em Warrenton - matava aula por ali, na maioria das vezes as aulas da tarde. Era um tanto perigoso, uma vez que todo mundo na cidade já te viu usando fraldas e conhece os seus pais, as chances de alguém conhecido ver todo aquele pessoal fugindo da escola era grande. Não era da minha conta, afinal, Debra e Gavin se preocupavam mais com Talapus do que com Warrenton e Lisa... deixa pra lá.
Assim que entramos comecei a sentir o cheiro forte de café que tomava conta do locar. Lisa se sentou em uma bancada enquanto eu pedia um muffin e um suco. Sentei-me ao seu lado e esperei pelo meu pedido chegar. Algumas pessoas passavam e a cumprimentavam, ela sorria brevemente ou acenava por um momento, e depois voltava com a cara séria.
- Que saco deve ser isso de fingir para todo mundo. - comentei num tom suficiente para que só ela escutasse.
- Sabe que eu nem me importo? - ela riu e interrompeu a fala quando meu pedido chegou. Assim que a garçonete se afastou, ela continuou a falar. - Eu nunca tive isso antes, pessoas da minha idade, teoricamente, me dando oi, falando comigo... Eu era muito doente antes de... bom, você sabe. Eu mal saía de casa, só tinha alguns primos para conversar comigo, mas não era a mesma coisa.
Escutei ela falar sobre sua primeira vida enquanto comia o muffin quente. Ela não estava tão arrogante assim, aquela expressão triste e sonhadora pareceu bem mais autêntica do que a que eu já conhecia.
- Não sei o que Dan e eu faremos quando chegar a hora de "envelhecer" e dar um rumo a essa vida que dizemos ter. - ela continuou. - Às vezes eu acho que...
Lisa não concluiu o raciocínio. Ela respirou profundamente uma vez e fechou os olhos, parecia tentar se concentrar. Inspirou mais uma vez e ergueu o rosto, olhando para todos os lados da lanchonete. Eu acompanhei o seu olhar até que ela se voltou para mim com um meio sorriso fraco.
- Incrível. Parece que você conseguiu o que queria. - ela disse, abaixando a voz e rindo de forma fraca e forçada.
- Que? 'Tá falando do que? - perguntei, colocando o copo de suco meio vazio na bancada. - Lisa...?
- Você não queria falar com os transmorfos? - ela perguntou, se inclinando na minha direção para falar mais baixo. - Tem um deles aqui.
- Aqui dentro? - perguntei, me erguendo discretamente no banco e verificando todos os cantos do lugar.
- Não... ele não quer entrar aqui porque sentiu meu cheiro. Ele está la fora tentando pensar no que fazer. Anda, vai logo. - ela quase me empurrou da cadeira. - Mas não demore, não gosto de ficar sozinha.
Desci do banco e andei até a porta de vidro da lanchonete, dando uma última olhada para Lisa, que pegava vários guardanapos de papel e limpava o próprio nariz, como se estivesse com alergia - e talvez fosse. A primeira figura que identifiquei foi um homem moreno muito alto e estranhamente à vontade em usar só uma camisa cinza e uma calça. Ele se virou para mim na mesma hora que eu saí pela porta e me olhou com dúvida.
- Paul. - eu chamei, mesmo que ele já tivesse me visto.
Dei alguns passos até chegar nele, próximo a uma árvore grande ao lado da calçada. Ele respirava fundo e franzia as sobrancelhas na mesma expressão incomodada de Lisa.
- Cara, que cheiro horrível. - ele disse, dando mais uma olhada na direção da lanchonete. - Você fede a vampiro.
- Hã? Ah, isso é muito estranho... - suspirei, cruzando os braços e me virando para ele. - Eu sou muito idiota, não sou?
- Todos somos, mas acho que nesse momento você lidera o ranking. - ele riu e eu o acompanhei. - Então você já sabe de tudo. Quem te contou? O Jake, claro...
- Na verdade, Paul, ninguém me contou. Eu já sabia sobre os vampiros e aí, por uma coincidência, eu soube dos lobisomens, transmorfos, o que quer que seja.
Ele me olhou por alguns instantes, evitando respirar muito profundamente. Ele cerrava as mãos lentamente como se para controlar alguma coisa.
- Espera aí... - ele disse. - Então você sabe sobre nós, mas não sabe nada sobre nós, é isso?
- Olha, não sei se entendi direito... mas é algo assim. Eu só sei que vocês existem, ainda não tive a oportunidade de ter aulas sobre os seres místicos que não vivem no meio urbano.
- É por isso que o mala do Jake não para de pensar em você! - Paul disse, um pouco mais alto e com um sorriso no rosto. - Eu não sou bom nessas coisas de amor e tudo mais, mas olha só...
Agora ele parecia estar conversando consigo mesmo. E... amor?
- Paul, que história é essa de Jake e amor? - perguntei, interrompendo-o do monólogo.
- Que? - ele percebeu que talvez tivesse falado demais. - Não, não é nada... por que você não vai para a reserva nesse fim de semana? Podemos te dar uma aula sobre quem é foda de verdade por aqui.
- Era bem isso que eu estava planejando...
- E não se preocupe, o território da reserva é à prova de vampiros, assim como a sua casa.
- Minha casa?
Paul me olhou com a mesma expressão de dúvida. Devíamos parecer dois idiotas encarando o outro, porque eu estava com o exato olhar para ele. Me virei para a lanchonete e vi Lisa pelo vidro aberto, ela olhava na nossa direção mas não parecia impaciente - e não me admiraria ela estar escutando tudo.
- É, aquele sanguessuga que te perseguiu algumas vezes, ele só não conseguiu te pegar porque nós fomos atrás. - ele respondeu, como se fosse óbvio. - Ele anda muito pelos lados da sua casa, mas nós começamos a fazer turnos no local e então ele desapareceu. Mas sabe, eu não vejo a hora dele aparecer de novo... há muito tempo que não mato um vampiro filho da mãe.
- Espera... Daniel fica andando em volta da minha casa? E vocês estão me vigiam?
- Sim, mas não vigiando você, estamos vigiando por onde ele anda... ou você acha que a gente ia esperar o sanguessuga branquelo vir até nós? Não tivemos nenhum problema com a outra que está com você aí dentro... não que eu sinta menos vontade de quebrar cada membro do corpo dela, mas é que nesse caso eu não tenho motivos. Mas com o outro, o irmão dela... ah, esse é uma merda.
Tive a impressão de que a minha boca iria despencar, de tão aberta que estava. Fiquei estática por alguns instantes e me esqueci que Paul estava na minha frente até que ele me cutucou com a mão para que eu reagisse de alguma forma.
- Eu acho que eu preciso mesmo de uma "aula" - fiz aspas com os dedos - com vocês. Pelo visto, eu não sei de nada... nem do que acontece ao lado da minha própria casa.
- Você é quem sabe, mas deveria mesmo aparecer por lá. - ele afirmou.
- Ah, pode apostar que eu vou.
Ele se despediu rapidamente, disse que tinha que levar algo para a mãe e acenou para mim. Quando eu havia dado dois passos de volta para a lanchonete, ele me chamou mais uma vez.
- Ei, , vê se aparece para dar um oi hoje. - ele riu. - Nós geralmente ficamos no meio daquelas árvores ao lado da janela do seu quarto. Não chegamos lá muito cedo, então se estiver entediada, é só aparecer e chamar.
Paul acenou mais uma vez e saiu andando com pressa pelo quarteirão até sumir de vista. Voltei lentamente para a lanchonete, Lisa ainda estava sentada no mesmo banco e me olhava com tédio.
- Você sabia disso? - perguntei, sabendo muito bem que ela havia escutado tudo.
- Que o Dan, às vezes, fica andando ao redor da sua casa, sim. - ela respondeu, mexendo no cabelo. - E que eles ficam de vigília por perto para pegar ele, sim, isso também.
- Então o Daniel fez mesmo alguma coisa de ruim. - concluí, e ela fechou a cara.
- Disso eu já não sei, . Meu irmão esconde coisas demais, nem eu consigo saber tudo que ele faz.
Fingi engolir essa desculpa enquanto pagava pelo muffin e o suco. Saímos da lanchonete e entramos novamente na escola para pegar o material restante nos armários. Eu ainda tinha que ligar para Matthew e tentar convencê-lo de sair de casa e me buscar, mas acabou não sendo necessário. Com todo o medo e desconfiança, aceitei a carona de Daniel para casa. Nenhum de nós três falou palavra alguma durante o trajeto, provavelmente ninguém tinha coragem.
Quando ele finalmente parou em frente à minha casa, só tive tempo de agradecer rapidamente e logo descer do carro. Dando passos lentos pelo jardim, observei atentamente as árvores densas que começavam logo ao lado do meu quarto e se estendiam para formar o pedaço de floresta do bairro. Provavelmente eu não dormiria naquela noite e ficaria o tempo todo na janela até que alguma coisa aparecesse. Entrei em casa e subi os degraus de dois em dois, parando apenas para colocar a minha mochila ao lado da minha estante de livros e indo direto para o quarto de Matthew, que estava sentado de frente para o computador, jogando alguma coisa com um joystick na mão. Me joguei na cama, afundando meu rosto nos travesseiros e esperei até que ele falasse alguma coisa.
- E a Hayden? - perguntei quando percebi que ele estava concentrado demais no que estava fazendo.
- A essa hora ela deve estar em um avião cruzando o país. - ele respondeu, se virando rapidamente para trás para me olhar.
- Quando ela volta?
- Só daqui a três meses. Por que? Já sente falta dela?
- Mas é claro! - exclamei por cima do barulho alto que saía das caixas de som. - Você não?
Matt não respondeu, mas pude ver que sua expressão era fechada e um pouco triste. Resolvi não perguntar mais nada antes que ele resolvesse canalizar os sentimentos em alguma coisa mais violenta, como quando ele fazia quando éramos pequenos. Me levantei e fui em direção ao meu quarto, pegando minha mochila mais uma vez e tirando de lá os livros e o fichário que eu usava. Eu mal havia conseguido escutar as aulas naquela manhã, então teria de fazer algo para não acumular matéria. Minha cabeça estva cheia de preocupações sobrenaturais, eu só não poderia deixar que elas se mostrassem tão dominadoras. Peguei o material e desci até a mesa de jantar, espalhando tudo por ali e me forçando a prestar atenção de verdade. Não era tarefa das mais fáceis, eu lia duas ou três frases e já me esquecia. Depois de quase enfiar a cabeça nas páginas acabei conseguindo ao menos entender o que eu lia e associando ao que eu havia visto nas aulas. Pelo menos já era alguma coisa.
Fiquei impressionada com a concentração que eu consegui um tempo depois. Só fui perceber o tempo que eu havia passado estudando quando ouvi a porta da frente se abrindo, revelando Gavin e Debra recém chegando de seus respectivos trabalhos. Eles acharam estranho me ver estudando, mas ficaram surpreendentemente satisfeitos; não era o tipo de coisa que eu fazia na Flórida, sabe, estudar constantemente. A rotina era que eu sempre separava apenas uma semana antes das provas para rever tudo às pressas e isso quase sempre havia funcionado, mas não era isso que eu queria em Warrenton - além do mais, quanto melhor fossem as minhas notas dali em diante, maiores seriam as minhas chances de entrar em alguma universidade bem longe do frio de Oregon ou de qualquer outro lugar perto do Canadá. De preferência, algum lugar ensolarado e onde a existência de vampiros fosse muito improvável.
Juntei os livros e subi para guardá-los, indo tomar banho em seguida. Piloto automático ligado novamente, mas dessa vez a minha mente estava pensando em algo diferente. Ainda era cedo, oito e meia da noite, e provavelmente a "ação" devia acontecer bem tarde, o que me deixava cada vez mais ansiosa e, talvez, em pânico. Parecia que bem naquele dia algo de ruim ou fora do normal - ou o que se chama de normal - fosse acontecer. Era sempre essa ação bizarra da Lei de Murphy agindo sobre a minha vida nas situações mais impossíveis. O meu medo mesmo era de me acostumar, isso sim seria ruim.
Depois do banho, desci para agir de forma mais normal com meus pais. Matthew continuava trancado no quarto e não dava nenhum sinal de que desceria sequer para jantar. Para ser sincera, não era como se eu estivesse ligando demais; quanto menos pessoas para me vigiarem até mais tarde, melhor, assim eu não teria que ser normal com todo mundo. Eu tinha que me manter calma e com os pés no chão, mas isso parecia mais difícil do que entender sozinha todas as aulas de física desde que eu havia chegado.
- O seu irmão te buscou? - perguntou Debra enquanto eu a ajudava a colocar a mesa.
- Não, eu peguei carona com a Lisa e o Daniel. - respondi, infeliz com a pergunta que me fez voltar ao assunto indesejado.
- Entendo... pegue o carro amanhã, então. - ela disse, distraidamente.
Parei na metade do caminho para a cozinha ainda processando a frase recém dita.
- Pegar o seu carro? - repeti, indo atrás de Debra.
- É. - ela respondeu mais uma vez com o tom natural, como se ela me deixar usar o carro fosse a coisa mais normal do mundo. - Seu irmão também não vai à aula amanhã.
- Por que não?
- Ele está começando a ficar doente. - respondeu Gavin entrando na cozinha. - Acordou com febre alta e diz que sente dores no corpo todo.
Não era o que havia parecido mais cedo, ele estaca bem o suficiente para sair e levar Hayden no aeroporto, voltar para casa e passar o dia jogando FIFA no computador. Pensei que se nós dois fossemos desses irmãos que vivem atormentando a vida um do outro, eu certamente diria o que eu havia visto, mas nós definitivamente não éramos assim, então guardei o pensamento e só dei ombros.
- Então você pega o meu carro amanhã. - Debra insistiu. - Assim seu pai não se atrasa e você não precisa depender de carona.
- Uau, isso sim é inesperado. - não pude deixar de comentar assim que me sentei na cadeira. - Obrigada, mãe.
Inesperado era pouco, aquilo era um fato tão inédito e alarmante quanto a descoberta do Bóson de Higgs. Minha mãe, Debra Ann Brannon, que havia voltado para o sobrenome de solteira e se recusado a mudar novamente depois do segundo round do casamento, professora de História do Ensino Médio em Talapus, Oregon, iria me emprestar seu carro. Tamanha foi a minha surpresa que eu mal percebi o que estava comendo e só fiquei pensando na quantidade de Nãos eu havia escutado desde que tinha tirado a carteira de motoristas, e de quantas vezes eu deixei de ir em algum lugar na Flórida porque Matt não queria dirigir. Meu exagero com certeza a irritaria, portanto mais um pensamento para a lista dos que foram guardados naquele dia.
Não prestei muita atenção na conversa que eles iniciaram, apenas respondia e me manifestava o suficiente para mostrar que eu estava ali. Logo me levantei e subi para o quarto, escovando os dentes no meio do caminho e batendo duas vezes na porta de Matthew para ver se estava tudo bem. Ele abriu com a cara mais fechada do mundo e me encarou até que eu dissesse alguma coisa.
- Você 'tá doente mesmo ou é só drama de criança para não ir à aula?
- É sério, eu comecei a me sentir mal hoje de manhã. - ele respondeu, passando a própria mão da testa ao pescoço. - Eu estou ardendo em febre e só não te soco na cara por ter me tirado da cama à toa porque, primeiro, você é minha irmã e, segundo, cada músculo do meu corpo dói.
- Como você é bom ator... - fingi não acreditar só para deixá-lo irritado.
- Tchau, . - ele me mostrou o dedo do meio e fechou a porta na minha cara. Ok, ele parecia mesmo muito mal, mas não precisava ser mal educado.
Dê o play na música e boa leitura!
Entrei no quarto ainda rindo de Matthew e me sentindo relaxar um pouco. Fui até a janela e, pelo menos por um momento, a tranquei. Por mais que o tempo passasse, nunca parecia tarde o suficiente para que algum deles fosse aparecer e minha ansiedade só aumentava. Parecia um desses dias em que um filme muito bom estreiaria nos cinemas e eu estivesse na fila para entrar, como toda a expectativa de assistir logo e dar minha palavra final. Mas agora era como se eu fosse ver um filme sendo rodado e eu faria um papel especial.
Ok, a conversa melosa sobre sensações sobre filmes me cansou. Peguei meus fones de ouvido e me sentei no sofá embaixo da janela da frente por algum tempo, a mais nova das tentativas falhas para me acalmar. Cada vez mais eu precisava aumentar o volume, qualquer barulho que eu escutasse lá fora já parecia um sinal. Marquei uma hora no despertador ao lado da minha cama; assim que se passasse, eu iria para a janela até que acontecesse alguma coisa.
Vinte minutos. Mais dez. Mais cinco. Ainda faltava meia hora.
Mais cinco minutos se passaram. O tempo ficava mais lento conforme a música que eu escutava. Eu quase adormeci, mas segurei firme até os poucos minutos irem embora.
Onze da noite. Me levantei lentamente do sofá, guardei os fones na gaveta do criado-mudo e, com o coração pulando na garganta, andei até a janela, afastei as cortinas e abri apenas o vidro direito. Não estava tão frio e nem ventando tanto, ou talvez eu que não me importasse mesmo. Me inclinei para ver melhor as raízes das árvores escuras que não facilitavam a minha vista. Suspirei de insatisfação e, como se fosse um sinal, escutei um barulho. Pareciam folhas esmagadas, não apenas algumas, mas várias. Meus olhos levemente arregalados e a minha respiração pesada deviam ter chamado a atenção de quem quer que estivesse ali, porque logo vi, por mais que meu instinto cético negasse, três lobos enormes parados em fila indiana entre as árvores. Por enormes eu não quero dizer como um lobo convencional, e sim, quem sabe, do tamanho de um cavalo. O primeiro que apareceu era relativamente menor que os outros, mas não deixava de ser absurdamente grande, tinha pêlo bem claro com manchas pretas pelo peito e pelas costas. O segundo era da cor de breu, negro como o céu de Warrenton numa noite sem nuvens carregadas de chuva. Aquele era o maior, sem dúvidas, mas o terceiro não perdia tanto assim. Era praticamente do mesmo tamanho do outro, todo marrom claro com alguns tons diferentes ao longo do corpo. Os três pares de olhos enormes me encaravam sem piscar, olhando para cima enquanto eu parecia uma retardada quase saindo para fora da janela.
- Meu... Deus. - foi a única coisa que consegui dizer, o mais baixo o possível.
Mesmo que fosse estranho além da conta, os três não me davam medo, ou pelo menos não o mesmo medo que Daniel me deu quando eu o vi daquela maneira pela primeira vez. Contrariando todas as forças do mundo, eu me sentia um pouco mais calma e até aliviada em saber que eles estavam por ali - embora não fosse exatamente para me proteger, como dissera Paul, e sim vigiar os passos de Daniel. Até ali eu só me fazia de corajosa porque não havia mais nada ao meu alcance; a verdade era que eu estava com verdadeiro pânico de Daniel e Lisa estarem mentindo sobre tudo e, quando eu menos esperasse, estaria morta e não restaria nenhuma gota do meu sangue para contar história.
E
Eu não sabia ao certo o que dizer; quem sabe existisse por aí uma convenção social de como se portar com lobisomens/transmorfos pela primeira vez, mas eu certamente estava perdida. Os três ainda olhavam para cima, na minha direção, e eu continuava no mesmo lugar, mas agora com os dois lados da janela abertos e cada vez mais inclinada para frente. Não deram sinal algum de surpresa ou algo parecido e eu tive uma vontade doente de rir, não sei se achava graça de tudo aquilo tão surreal e inacreditável ou se era de histeria mesmo. Provavelmente os dois.
- Ei, o Daniel está por perto? - perguntei usando o tom de voz quase inaudível. Dois deles trocaram olhares e depois se viraram nas direções opostas e para a floresta, como se estivessem verificando. Depois se voltaram para mim e acenaram brevemente com a cabeça, piscando os olhões enormes. - É, eu imaginei... Será que vocês não podem entrar aqui? Não é perigoso demais?
Os três se entreolharam e fizeram um barulho um pouco alto, como se estivessem rindo. O menor deles, que, por algum motivo, eu achava que era Seth, deu dois pequenos saltos para frente e para trás demonstrando animação. O lobo maior, de pêlos pretos, o encarou com reprovação e ele logo ficou quieto mais uma vez; exatamente como Sam fazia com os garotos quando eles o importunavam demais, então aquele era ele, o líder. O outro, de pêlos de vários tons de marrom, poderia ser Paul, já que ele mesmo havia me dito que apareceria por ali e também porque ele aparentava estar com raiva e sem paciência alguma, bem como ele era quase o tempo todo.
Eu tive que admitir que tudo era realmente engraçado.
Antes que eu pudesse recuperar o meu humor, um barulho de um galho se quebrando surgiu em meio ao silêncio, chamando a atenção de nós quatro. Sam, que eu ainda estava chamando de Sam, se colocou na frente dos outros dois, me lançou um último olhar que mais parecia Debra me xingando por alguma coisa. Imediatamente, voltei para dentro do quarto mas ainda com a janela aberta. Ele saiu correndo floresta a dentro e Paul o acompanhou, deixando Seth plantado em frente à minha janela. Ele choramingou, olhando esperançoso na minha direção e na direção de Paul e Sam, certamente querendo fazer parte de toda a ação. Ouvimos outro barulho e dessa vez era mais distante. Isso não era bom sinal.
- É ele? - perguntei, colocando a cabeça para fora da janela para olhar para o pequeno lobo. Ele acenou mais uma vez e me lançou o mesmo olhar de Sam, me mandando sair de perto da janela. - Ok, já entendi! - dei um passo para trás e fiquei na ponta dos pés para conseguir ver alguma coisa.
Mais outros dois barulhos, agora cada vez mais distantes.Eu observava tudo com o coração na mão só de imaginar o que estaria acontecendo, mas de nada adiantaria ficar ali parada - e também seria pouco útil que eu saísse pulando a janela para correr no escuro.
Seth deu um salto para chamar a minha atenção e eu olhei para baixo mais uma vez. Ele deu dois passos para trás e indicou a floresta completamente escura. Provavelmente Sam estava o chamando, porque ele piscou algumas vezes para mim e saiu correndo naquela mesma direção, me deixando sozinha com a janela semi aberta e um frio incômodo. Tranquei a fechadura e fui direto para a cama, só então sentindo o quanto eu havia ficado nervosa. Minhas mãos tremiam e meu coração batia rapidamente, custando a se acalmar. Me forcei a pensar o mínimo possível, mas era tão fácil quanto começar a me concentrar em todos aqueles livros que eu lera durante a tarde. Aquelas "viagens astrais" que eu sempre tinha seriam muito bem recebidas naquele momento, mas nunca pareceram tão improváveis de acontecer. Para camuflar a preocupação, me deitei totalmente reta e de barriga para cima, respirando bem lentamente até sentir minha pulsação diminui. E então comecei a sentir os efeitos.
Tudo pesava, meu corpo inteiro desde a ponta do dedo até cada articulação parecia feito de chumbo. Meu cérebro praticamente gritava para eu me mover ou mudar de posição, mas eu sabia que não funcionava assim, eu tinha que me manter imóvel por um bom tempo. Depois, não consegui respirar direito. Havia um peso enorme no meu peito que me incomodava, mas eu sabia que logo passaria. Logo eu teria mais um daqueles sonhos vívidos e reais que me relaxavam por completo, era disso que eu precisava.
Aquela era a minha casa, a de Warrenton, não a da Flórida. Não havia móvel algum, apenas as cortinas de renda branca ou amarelada que Debra escolhera com muito gosto. Elas voavam com o vento que passava pelas janelas e eu morria de frio, para variar. Eu andei sozinha pelas salas completamente vazias, o barulho que meus pés faziam a cada passo era como se uma tropa estivesse marchando por ali. As cores poderiam se tornar um pouco mais vibrantes... se elas existissem. Fechei os olhos por um momento e me dirigi até a sala de TV onde eu havia passado boa parte do Ano Novo com Jake e Seth, agora era só um espaço vazio. Voltei à sala e, não era surpresa, o papel de parede vitoriano se destacava cada vez mais e parecia ter vida. Eu sabia que seria assim; dessa forma funcionava o sonho lúcido, onde é possível interagir com o ambiente do sonho, desde que haja prática e, especialmente, calma com o que se vê pela frente. Subi os degraus até o corredor, mas logo voltando atrás e descendo tudo novamente. De volta à sala, eu não estava sozinha mais. A figura enorme de Jacob estava parada bem no lugar onde ele havia ficado durante o Ano Novo, estava de costas para mim mas eu podia ver um sorriso mínimo saindo dos seus lábios. Eu dei passos largos até ele, que se virou e abriu os braços para mim. Aquela era, sem dúvida, a experiência mais forte e real que eu já tivera em um sonho lúcido. Podia jurar que estava sentindo de verdade sua pele quente na minha, o perfume natural que me lembrava grama molhada pela chuva e madeira e alguma colônia masculina que eu não sabia identificar por nome, só sabia que era muito boa. Não escutei nada, nem mesmo nossas respirações; minha concentração estava voltada para outros sentidos e eu ainda estava aprendendo a controlar aquilo tudo.
Quando percebi que havia passado tempo demais naquela posição, me desviei do seu abraço apertado e dei um passo para trás para poder ver o seu rosto inteiro. Ele estava um pouco sério, mas não era como se eu esperasse que ele estivesse todo bobo alegre em tempos como aqueles.
- Isso é tão estranho. - sorri, levantando a cabeça para olhar o teto e tudo à minha volta. - Você na minha mente, e olha que eu nem precisei te chamar nem nada.
- Você sempre esteve na minha. - ele respondeu com a voz baixa.
Não pude deixar de sorrir um pouco, mas logo me conti porque não sabia aonde aquilo iria dar.
- Me desculpa aquele dia... - comecei a me desculpar, me desesperando por uns instantes. - Sabe, o dia em Seaside... Eu não sabia o que fazer, só senti que precisava te contar, e foi algo totalmente estúpido porque a verdade é que eu não sei praticamente nada sobre vocês. Eu deveria ter esperado você falar, mas é claro que eu tinha que estragar tudo. Me desculpa? Por favorzinho?
- "Por favorzinho?" - ele repetiu, voltando ao tom de voz normal de sempre. - Você é muito louca mesmo. Me traz aqui, não cala a boca e fica pedindo desculpas sem motivo algum... e ainda tira todos os móveis da casa! Não sobrou nem um sofá para a gente poder se sentar! Nem uma mísera cadeira!
Jake se aproximou e pegou a minha mão com gentileza e não a soltou. Então eu havia ficado sem palavras e me limitei a observar cada mínimo movimento que ele fazia até ele se inclinar na minha direção e encostar nossos lábios sem pressa. Tudo começou a girar devagar e, ao contrário do que pensei, me senti mais firme e presa ao chão, alguma coisa me puxava ali e não me deixava ir embora. Ele se afastou alguns segndos depois e colocou a outra mão sobre o meu rosto, mantendo contato visual.
- Eu preciso que você me escute. - ele pediu, dizendo cada palavra com muita calma. - Não posso ficar com você o tempo todo, então tome cuidado. Por favor, , me diz que vai ter cuidado... Não deixe ele tomar conta da sua mente. Ele quase conseguiu antes e vai continuar tentando. Eu preciso que você se mantenha firme até que a gente cuide do recado, não vai demorar muito, eu prometo. Sam já está morrendo de raiva e está fazendo até Seth ir nas patrulhas por Warrenton.
- Como assim? - perguntei, mesmo que eu já soubesse um pouco a resposta.
- Só me prometa isso, por favor. - Jacob pediu mais uma vez, mordendo o lábio inferior e fechando os olhos.
Falar sobre Daniel não era boa ideia. Como aquele era o meu sonho, eu tinha uma ideia do que aconteceria em seguida. Algumas coisas eu podia controlar, outras não.
- Mas ele está vindo. - sussurrei para que ele não me escutasse. - Eu juro que vou fazer o que você me pediu, Jake, mas eu vou ter que falar com ele.
- Tudo bem... - ele respondeu, um pouco decepcionado. - Eu imaginei que isso iria acontecer. Só tome cuidado, só isso. Ele pode entrar na sua cabeça e fazer coisas horríveis, não se engane com a falsa compaixão que ele demonstra.
- Eu não sou idiota. - fingi indignação, mas meu teatro não fez muito efeito porque eu começava a ficar em pânico.
Ele soltou o meu rosto e a minha mão e andou na direção da porta da frente, parando quando colocou a mão na maçaneta e se virando para mim mais uma vez. Esperei até que ele fechasse a porta e comecei a andar em círculos mais uma vez. Abri a porta de madeira do pseudo escritório de Gavin, agora totalmente vazio, e contei 10 segundos ali dentro. No fim, saí do lugar para esperar a campainha tocando e então convidá-lo para entrar, mas não foi necessário.
- Como você entrou? - perguntei assim que o vi no batente da porta fechada.
Daniel deu ombros com indiferença e correu os olhos pela casa, aparentemente ela chamava a atenção. Me forcei a ficar calma, entrar em pânico só pioraria as coisas e me deixaria presa ali por um tempo.
- Eu só entrei. - ele respondeu, a voz tão fria e diferente da de Jacob que fez meu sangue talhar.
- Sem convite?
- Só precisamos de convites para entrar onde humanos comem e dormem. - ele recitou a explicação com a paciência severamente controlada, revirando os olhos.
- Mas eu moro aqui. - frisei, levantando o rosto na direção dele.
- Meu bem, pessoas mortas não moram em lugar nenhum. - ele sorriu para mim.
Eu sabia que aquilo era um jogo muito bem preparado por Daniel, era bem o tipo de coisa que era feita para me enganar e quase me sufocar ali dentro. Se eu continuasse o ignorando nada faria efeito, mas também não era fácil.
- Gente morta? - sorri torto, entrando na brincadeira. - Claro.
- Não agora, mas quem sabe em breve. - ele respondeu, fechando os olhos. - Você ainda é uma bolsa de sangue pulsante, mas não por muito tempo.
- Por que você ainda faz a Lisa passar por todo esse inferno? - perguntei, tentando fugir do assunto.
- O que? Você acha que ela não ADORA ser o que é? - ele riu alto. - Acha que ela é meramente humana? Francamente, , ela ama todo esse seu drama e o suspense. É só uma questão de tempo até que seus amigos lobinhos estejam distraídos... e adeus linda .
Daniel realmente era um psicopata. Sua voz era cheia de falhas de tão histérico que ele estava e sua risada parecia ter sido distorcida e aumentada várias vezes. Eu já estava cansada de ouvir tudo aquilo e comecei a pensar no meu próprio corpo deitado na cama, no meu quarto, no corredor, no andar de cima e na casa inteira. Bem aos poucos fui retomando a consciência sem acordar de repente, como sempre acontecia. Sem me sentir sufocada ou estrangulada, abri os olhos e mexi os braços e mãos, um de cada vez, até me sentir ali de verdade, percebendo o que havia à minha volta. Pisquei algumas vezes até ver tudo com verdadeiro foco, mas só por um momento, antes de fechá-los novamente para enfim dormir de um jeito normal.
Eu andava feito um zumbi pela casa. Não me lembrava de quase nada do sonho da noite anterior, o que era bem estranho porque eles geralmente ficavam bem claros. E, obviamente, cada segundo do que eu havia visto antes ainda repetia sem parar. Seth, Sam e Paul na janela, o barulho de galhos sendo partidos, Daniel por perto... Isso não era lá tão fácil de esquecer ou bloquear.
Debra bateu na porta do meu quarto duas vezes para me acordar. Enquanto eu ainda reunia forças para me levantar da cama, escutei ela e Gavin dizendo tchau e, em seguida, dando a partida do carro. Me levantei, ou melhor, me arrastei da cama e andei até o armário para me arrumar. Não estava tão frio nem nada, mas tudo em Warrenton era completamente instável. Saí do quarto e bati na porta de Matthew para saber como ele estava.
- Vai pro inferno, . - escutei sua voz sonolenta e abafada pelo travesseiro. Pela porta entreaberta, vi que ele ainda estava deitado na cama e parecia cada vez pior.
- Bom dia pra você também, princesa. - ignorei. - Quer comer alguma coisa? Tem remédio por aí?
Ele pareceu pensar por um instante, depois me respondendo com uma voz mais educada, provavelmente arrependido por ter me cumprimentado de forma tão gentil.
- Eu vou ficar bem, obrigado. - ele agradeceu, levantando a mão no ar e acenando lentamente. - Mas parece que remédio nenhum faz efeito em mim, só melhora quando eu durmo...
- Ok, então até mais tarde. - me despedi, percebendo que aquela era a minha deixa.
Ele disse mais alguma coisa que eu não pude entender, fechei a porta e desci as escadas com Sunny atrás de mim. Não tinha muita fome, provavelmente acabaria sentada no mesmo balcão da lanchonete em frente à escola. Peguei as chaves do carro de Debra em cima da bancada da cozinha (eu ainda não acreditava) e rumei para a porta da sala, trancando-a assim que passei. Definitivamente era um dia ligeiramente mais bonito que o normal, enfim um boa notícia. Entrei no carro depois de tanto tempo sem me sentar no banco do motorista. Não que eu fosse uma motorista completamente leiga, eu sabia o que estava fazendo, ao contrário do que Debra achava. Saí da garagem e fiz o trajeto até o centro da cidade sem pressa alguma, até porque eu tinha tempo o suficiente.
Cheguei ao estacionamento e parei longe da entrada principal, era sempre a parte mais congestionada (pelos tantos 400 alunos do prédio). Ainda mal piscando, fiquei um tempo parada no carro, apenas aproveitando o benefício do silêncio. Logo logo seria preenchido por monólogos de Lisa, professores desleixados e conversas indeterminadas que me deixavam especialmente entediada.
Mas é claro que a minha paz durou pouquíssimo. Logo o primeiro sinal bateu e eu tive que entrar para chegar na aula de História a tempo. Esperava encontrar Ellie no caminho, mas eu não a via desde o Natal. Ela parecia ser a conexão com problemas comuns que eu tanto queria ter; quem me dera ter de reclamar somente do clima ruim de Warrenton.
Ellie realmente não aparecia em parte alguma... e nem sinal dos outros. Enquanto caminhava sozinha, prometi a mim mesma que me empenharia mais em ser uma pessoa sociável e um pouco extrovertida. Andar com vampiros e lobisomens, em partes, não me favoreciam muito, na maioria das vezes era mesmo como estar sozinha. Eu não era uma pedra de gelo, uma pessoa sem coração... só porque eu tinha problemas, digamos, "diferentes", não significava que eu era completamente alheia ao mundo em que vivia.
Meu raciocínio foi interrompido por um vampiro em questão. Eu andava vendo Lisa demais, talvez porque ela parecesse mais... inofensiva e sincera, por trás daquela primeira impressão de ser completamente insuportável e egoísta. Lá estava ela, parada no corredor e me encarando há muito tempo. Seus olhos pareciam muito vermelhos e de uma forma bem bizarra. Sua expressão era indescritível, algo entre terror absoluto, desespero contido ao ponto máximo, quase a ponto de transbordar. Dei passos mais largos até chegar nela para saber logo o que havia acontecido.
- Lisa? - perguntei, assim que parei ao seu lado e ela mal moveu os olhos.
Ela não respondeu, só me encarou de volta e me pegou pelo pulso, me arrastando (de verdade, só ali pude ver o quanto ela era forte) até a biblioteca. Mais parecia um deja vu, Daniel e ela me contando tudo aquilo no dia anterior naquela mesma mesa. Ela não se sentou, continuou me arrastando até uma estante não muito longe da mesa da bibliotecária. Haviam apenas 3 pessoas por perto, mas elas nunca nos escutariam por ali.
- Eu odeio essa sua mania de ficar só nas evasivas e nunca me contar o que é de verdade. - comentei, assim que ela se sentou no chão em meio a tantos livros e abaixou a cabeça, colocando as mãos brancas e finas ns cabelos loiros escuros.
- Ele foi embora.
Opa.
- O que? - me abaixei para ficar de frente para ela.
Lisa levantou a cabeça e apoiou-se na palma da mão, o rosto cada vez mais distorcido por algo que eu chamaria de lágrimas.
- O Daniel foi embora. - ela repetiu com mais clareza. - Ele saiu ontem à noite, voltou no meio da madrugada, correndo e muito nervoso. Pegou os documentos falsos que usamos e saiu, simplemente saiu. Ele deixou um bilhete para os nossos padrinhos e eles não quiseram me mostrar, só me disseram que ele havia ido embora porque precisava se proteger.
- Ele estava machucado? - perguntei, me lembrando da noite anterior.
- Não... ah, não sei! - ela começou a chorar. - Por que? Você sabe de alguma coisa?
- Acho que sei. - respondi, dizendo as palavras bem lentamente. - Acho que ele foi para perto da minha casa e os lobisomens foram atrás dele.
Lisa arregalou os olhos e caiu no choro mais uma vez. Eu ainda não sabia o que fazer, se devia consolá-la ou algo assim... Convenções sociais não eram comigo.
- Mas o que ele fez, Lisa? - insisti.
- , era tudo mentira! - ela colocou as duas mãos no rosto completamente vermelho e ainda intensamente triste. - , ele vinha me ameaçando desde o dia que me contou que você sabia sobre nós... Ele, ah, tudo bem, nós nos alimentamos de sangue humano, sim. Eu juro, juro que nunca matei ninguém por aqui! Mas ele já... e eu acho que os lobisomens descobriram o que ele anda fazendo, por isso foram... ah.
- Você tem ideia do que está me dizendo? - quase não consegui colocar as palavras para fora, sentindo uma raiva desconhecida subir pelo meu corpo.
- Você precisa saber de tudo antes que ele volte ou tente ir atrás de você! - ela disse, franzindo as sobrancelhas como se sentisse uma dor intensa. - Eu nunca pude te dizer nada com ele por perto. Mesmo fora da escola ele sempre está me observando. Eu não sei o que ele pode fazer, já vi Dan se metendo em tudo que você possa imaginar... É difícil dizer como ele consegue entrar na cabeça das pessoas, até na minha! Ele simplesmente faz isso, sabe? Quando quer e como quer, ele sabe exatamente como te manipular e criar uma cortina em volta da sua mente, distorcendo tudo. É isso que ele tem tentado fazer com você para conseguir o seu sangue... Por favor, , não deixe ele tomar conta da sua mente.
- E como é que você espera que eu acredite em tudo isso? - perguntei, sem tomar o cuidado de abaixar a voz.
- Você tem outra escolha? - Lisa também quase gritou. - Não. Você não vai ter tudo o que precisa se ver só pelo lado dos seus amigos lobisomens, admita que eu sou de grande ajuda... e o que eu quero é que você não deixe ele entrar na sua cabeça de novo. Caso contrário, eu não quero nem imaginar o que ele pode fazer.
"Não deixe ele tomar conta da sua mente."Não deixe ele tomar conta da sua mente. Não deixe ele tomar conta da sua mente. Não deixe ele tomar conta da sua mente. Não deixe ele tomar conta da sua mente.
Eu sabia de onde aquilo vinha.
Me levantei num salto e fiz menção de ir embora, mas Lisa se levantou junto e foi atrás de mim.
- Aonde você vai? - ouvi ela dizendo, enquanto eu andava. - Por favor, me diz que acredita em mim, por favor...
- Ok, eu acredito. - concordei, realmente acreditando mas não querendo render aquilo demais. - Mas eu só preciso que você me deixe em paz hoje, só isso.
- Você é louca? - ela perguntou, correndo e me acompanhando até o lado de fora do prédio.
Não soube responder se aquilo era loucura, mas talves fosse algo parecido. Havia falando tanto em sangue ultimamente, eu parecia sentir o meu fluir por todo o corpo. Arrepios e espasmos subiam pelas minhas costas, me forçando a ir até onde havia estacionado o carro. Abri a porta com violência e quase fechei na cara de Lisa.
- Não. - respondi sem pensar. - Só quero ver de um outro ponto de vista agora. - e dei a partida, indo para um caminho, agora, mais conhecido.
O carro de Debra havia se tornado mais do que conveniente.
Deixei Lisa sozinha no estacionamento da escola e, mesmo sem mal conhecer o caminho partindo dali, saí pisando no acelerador e virando todas as ruas pela frente. Eu não conseguia me concentrar em nada, por isso, é claro, eu ficava cada vez mais perdida - o que acabava num círculo: ficava com raiva, me perdia, a raiva crescia por minha estupidez e então continuava perdida. Digamos que eu nunca poderia fazer parte de um filme de perseguição.
Escutei meu celular tocando na mochila que eu havia jogado no banco de trás, mas não me estiquei para pegar. Na verdade, depois de alguns minutos, ignorei a música insistente e me foquei em achar o caminho para sair da cidade. Enfim cheguei ao píer e dali sabia exatamente por onde ir. O trajeto não parecia ter fim, quanto mais eu via os barcos sumindo e a sombra escura do mar se misturando às rochas da baía, mais longe Talapus parecia ser. Não havia verde em parte alguma e esse era sempre o primeiro sinal de que eu havia saído de Warrenton.
Quando enfim vi a grande massa de árvores que começava na metade da estrada senti um peso saindo do meu corpo; agora sim estava mais perto. Passei pela ponte (a mesma que ainda me deixava com dor de cabeça pelo dia que eu simplesmente aparecera dentro da floresta, completamente sozinha e tudo aquilo havia acontecido) e vi as primeiras casas da entrada da reserva. As ruas já eram mais conhecidas agora que eu voltava de carro, mas com certeza eu me perderia se estivesse a pé.
Tenho que me lembrar de agradecer Debra por me emprestar o carro mais uma vez.
Passei pela mesma rua onde eu cumprimentara Quil e ele havia me ajudado. Olhei na direção da loja de sua mãe e vi que não havia nem sinal dele por ali. E depois a ficha caiu mais uma vez. É claro que ele não estava na loja, ou em parte alguma. Aliás, nem ele, nem Jacob, nem ninguém... Eu é que estava matando aula e teria de esperar até as 3 da tarde se quisesse mesmo falar com eles sobre Daniel. Pensei em ir até a casa de Billy, mas novamente lembrei que eu estava matando aula, ele provavelmente diria alguma coisa ao meu pai - que, aliás, se eu não tomasse cuidado por onde andava, acabaria me vendo. Meu Deus, e Debra. Ela era professora em Talapus, eu também não podia esperar perto da escola, é claro que ela reconheceria seu próprio carro - antes de reconhecer a filha, com certeza.
De repente, meu plano não pareceu tão bom assim.
Agora sim eu estava perdida. Não só de não saber o que fazer, mas ainda de não saber para onde ir. Inconscientemente, dirigi até a praia e parei o carro atrás de várias rochas entre o começo da floresta, bem de frente para o mar. Na Flórida, essa seria uma visão linda... porque lá havia sol, mas em Talapus era apenas um borrão azul escuro cercado pela areia branca e pesada. Abri os vidros e senti a brisa marinha entrando imediatamente. Eu devia vir mais à reserva, mesmo que estivesse longe de ser o que eu gostava, ao menos lembrava e acabava me fazendo bem. Eram 9 da manhã e eu tinha que achar um modo de me distrair pelas próximas seis horas, senão acabaria enlouquecendo. Não era tão fácil, quer dizer, não enlouquecer, principalmente quando se descobre que um vampiro supostamente estava manipulando a sua cabeça para te fazer gostar dele e, na verdade, ele só queria o seu sangue. E a irmã dele, que deveria ser igualmente ruim, se mostrou confiável e prestativa, pelo menos até agora. E, não posso me esquecer, que o seu melhor amigo de infância era um lobisomem e que ele sim parecia fazer você gostar dele, mas de verdade. Nem sei se fazia sentido, mas era disso que eu tentava me convencer. Ficar com isso martelando na minha cabeça me fez ficar ainda mais ansiosa, e eu precisava exatamente do oposto. Peguei a mochila no banco de trás e procurei meu celular, que mostrava três chamadas não atendidas de Lisa. Apertei o botão verde quando seu número apareceu na tela e fiquei impaciente até que ela atendesse.
- Cadê você? - ela perguntou com a voz alta e desesperada.
- Eu falei que queria um novo ponto de vista. - respondi, observando as ondas quebrando no mar a vários metros.
- Não foi isso que eu perguntei.
- Ok, eu estou em Talapus.
- Parece que você tem um buraco no cérebro. - ouvi Lisa dizer com a voz cheia de raiva, provavelmente não estava na escola. - Eu te disse que ainda não sei o que aconteceu com o Dan, mas pelo que parece ele pode simplesmente sair atrás de você e te matar! Você entende isso?
- Mas Lisa, eu não tenho medo dele. - respondi, e acho que realmente não tinha.
- Devia ter, até eu tenho.
Pensei em perguntar por que ela não saía logo de perto dele, se ela tinha tanto medo. Mas isso não pareceu ser da minha conta - mesmo que tudo fosse da minha conta, aparentemente.
Respirei fundo algumas vezes, ainda escutando suas reclamações impacientes do outro lado da linha. Isso pelo menos passaria o meu tempo enquanto eu me limitava a dar meias explicações. Lisa continuava a insistir que Daniel poderia estar com a pior das intenções e vir até mim, mas logo em seguida ela mesma afirmava que ele não seria capaz de nada disso, nada que pudesse prejudicar a sua vida - já que agora os lobisomens estavam envolvidos. Eu apenas assentia, mas logo me colocava contra o que ela dizia.
- Olha só, eu prometo que vou voltar pra casa a salvo, com todos os litros de sangue intactos no meu corpo, sem ideais socialistas e sem bombas. - repeti pela milésma vez, e Lisa se ofendeu com a minha brincadeira. - Eu te ligo quando chegar.
Desliguei o celular assim que ela começou a se manifestar. Me encostei no banco mais uma vez e soltei um suspiro pesado, encarando o teto do carro. Procurei alguma coisa na mochila mais uma vez e acabei achando uma edição de bolso de Um Brinde de Cianureto da Agatha Christie que eu vivia deixando por perto mas nunca havia lido de verdade. Agora eu tinha tempo o suficiente e uma cabeça cheia de coisas para esquecer ou, pelo menos, ignorar por um tempo. Abri na primeira página e praticamente rezei para que fosse bom.
4 horas depois e eu ainda estava na metade. Não que fosse ruim, na verdade era ótimo, mas foi difícil me concentrar no complicado assassinato. Eu lia as páginas duas ou três vezes e as palavras custavam a fazer sentido por mais que eu forçasse a entender o que estava acontecendo. Não dava.
Talvez eu gostasse mesmo de Daniel, não que fosse apenas influência dele na minha cabeça, e se eu realmente sentisse algo por ele? Só isso explicaria o quanto eu não tinha medo, porque no fundo no fundo eu sabia que ele também gostava de mim... Mas eu não queria isso! Antes eu era tão deslumbrada por ele, seu jeito incrível e olhos verdes que pareciam não ter fim. Era muito mais fácil admitir que ele era uma pessoa ruim e pronto, mais do que conveniente - mas isso não me passava pela cabeça, pelo contrário, se tornava cada vez mais difícil admitir que eu não poderia ficar com ele. Daniel definitivamente funcionava como um ímã, me atraindo e me repelindo sempre que ele quisesse.
E por outro lado havia Jake, que era a pessoa mais incrível que eu já conhecera e ele sim parecia despertar coisas boas em mim, com ele eu sempre estava com a mente acordada e não precisava forçar nada ou tomar cuidado com o que eu falava, tudo era muito natural e espontâneo. E também era algo mais diferente do que qualquer outra sensação que eu já tivesse experimentado; a primeira vez que nos vimos depois de tanto tempo não significou nada além do normal, mas conforme eu me afastava de Daniel e ficava com a cabeça mais limpa e sensata era como se eu visse Jacob pela primeira vez, só que várias vezes. Dá pra entender? E eu gostava dele cada vez mais e era daquele jeito bom e positivo que me dava vontade de sorrir e continuar assim pra sempre.
Louca, era isso que eu parecia.
Nunca fui muito de chorar, mas aquela parecia uma boa hora. Senti as lágrimas se acumulando nos meus olhos e logo tratei de limpá-las antes que caíssem, mas era tarde; senti a garganta doer com a força que eu fazia para engolir o choro mesmo que já visse as pequenas gotas caindo. Cobri metade do meu rosto com a mão e fechei os olhos com força e mais lágrimas caíram violentamente. Nunca havia chorado desse jeito, com dor e sem ter a mínima ideia do que fazer a respeito. Eu tremia de frio e de desespero, procurando a chave no porta moedas e decidindo ir embora dali. Quando coloquei na ignição, escutei uma batida no vidro do lado do passageiro e pulei de susto. Sequei rapidamente os resquícios de lágrimas e abri a janela, logo reconhecendo a figura de Sam com os olhos arregalados de preocupação.
- Oi Sam. - cumprimentei, olhando para baixo e soando um pouco infantil.
- Aconteceu alguma coisa? - ele perguntou com aquela voz alta e grossa.
- O que? - tentei forçar a voz animada e um sorriso que deve ter saído deplorável. - Não, imagina, é só... ah sabe como é, só vim pra cá e já vou voltar para Warrenton porque... entende?
Ele assentiu ainda com os olhos arregalados que pareciam notar os meus muito vermelhos e ainda cheios de lágrimas. Soltei outro suspiro pesado e encarei ele de volta, praticamente pedindo desculpas com o olhar. Não era mesmo uma boa situação para ser encontrada, e também não havia muito que eu pudesse dizer, Sam me acharia louca de qualquer jeito.
- Então está tudo bem se eu te encontrar de novo escondida no meio do mato, sozinha e chorando? - ele perguntou, mais como um comentário. - É algo que você costuma fazer? Faz parte da sua rotina?
- Ok, já entendi, não precisa disso. - respondi, interrompendo o tom levemente irônico que ele estava usando. - Me desculpa se eu te distraí do que você estava fazendo, seja lá o que for. Eu vou voltar para Warrenton, matar aula não é exatamente o tipo de coisa que eu faço.
- Matando aula pra ficar parada no meio de uma pedra e uma árvore... - Sam pareceu refletir. - Você é mais esquisita do que a gente pensou.
- A gente? - repeti, ignorando a parte do esquisita. - A gente quem?
Sam revirou os olhos pra mim e pensou por alguns segundos antes de responder. Ele contornou o carro ate chegar na janela do meu lado e foi na direção da estada, fazendo sinal para que eu o acompanhasse. Mesmo sem entender, tirei as chaves da ignição, coloquei o meu celular no bolso e fui atrás dele, que já estava muito na frente.
- Pra onde você vai? - perguntei, aumentando os passos para acompanhá-lo.
- Vamos passar na casa do Jared e, depois, vamos para a minha casa. - ele respondeu e apontou numa direção qualquer.
- Por que?
- Porque quando eu saí a Em estava fazendo brownies, a essa hora já devem estar prontos. - e sorriu, simplesmente dando ombros.
- É só isso? - perguntei, insatisfeita com a resposta idiota que ele me dera.
- Só isso? São brownies, toda hora é hora de brownies. - ele continuou a rir da minha cara, agora de forma mais explícita.
Corri para alcançá-lo mais uma vez enquanto ele continuava a ir pelo caminho conhecido. De repente eu não parecia mais tão louca e sim Sam, logo ele que sempre me pareceu tão sério, calado e responsável - ainda mais depois do que eu havia visto na noite anterior. Ele não falou mais nada e me deixou mais para trás ainda, mas mantive o meu ritmo lento sem a menor energia para correr. Seguimos até uma casa no meio do quarteirão seguinte, onde Jared já estava na porta - sabe-se lá como ele já estava nos esperando - com uma expressão entediada. Quando nos viu ele ergueu as sobrancelhas e acenou com a cabeça na minha direção, me cumprimentando e sorrindo em seguida. Sam não parou por ali, apenas fez um sinal e Jared imediatamente pulou os pequenos degraus da varanda e começou a nos acompanhar, e fez o favor de ir mais lentamente para ficar ao meu lado.
- Jared. - cumprimentou Sam, assim que ele se juntou a nós.
- Chefe. - ele respondeu e se virou pra mim. - . Eu adoro ver a cara de espanto das pessoas quando elas descobrem. - ele riu alto.
- Nós vamos nos divertir muito, então. - disse Sam com a voz divertida, mesmo que a expessão fosse séria. - Você sabe do Paul e da Leah? - ele perguntou, imaginei que para Jared.
- Acabei de ouvir eles chegando. - Jared respondeu. - Ele já vem, mas Leah é outra história.
- Claro. - Sam comentou em voz baixa como em um assunto interno. Achei melhor não perguntar.
Andamos mais um quarteirão e, no meio do caminho, Paul apareceu. Parecia uma passeata onde as pessoas se juntavam aos poucos, logo ele também estava ali fazendo piadas comigo.
- Menina da cidade! - ele riu quando me viu andando atrás de Jared e me deu um abraço desses de estalar a coluna. - Resolveu aderir ao movimento?
- Ainda estou tentando entender que movimento é esse. - respondi assim que ele me colocou de volta ao chão, sentindo meus ossos voltarem ao lugar. - Ou o que eu vi ontem à noite.
- Ah, é verdade... gostou da surpresa? Bom, não acabou do jeito que a gente queria, como eu te disse, de vez em quando acontecem imprevistos como aquele... - Paul continuou e eu arregalava os olhos cada vez mais, ainda sem fazer ideia do que ele falava.
Jared olhava para a minha expressão preocupada e sorria discretamente, mas não falava nada. Ele e Paul me distraíram até que chegamos à casa de Sam, onde eu vi o rosto de Emily pela janela. Sam passou pela porta de madeira aberta e entrou, enquanto nós três ainda estávamos um pouco para trás.
- Cara, isso é muito chato! - Paul revirou os olhos.
- Para de reclamar, espera só até ser com você. - ouvi Jared dizer quando subíamos o degrau para a varanda.
- Até parece que eu sou o único. - Paul continuou, entrando na cozinha de Emily. Ele se sentou em uma cadeira que havia ao lado da mesa redonda e Jared e eu o acompanhamos.
Emily apareceu ao meu lado com o sorriso gentil de sempre; eu havia me esquecido do quanto ela era bonita mesmo com as cicatrizes que se estendiam no rosto e nos braços. Na verdade, mal dava para reparar nelas, seu jeito simpático a tornava mais bonita naturalmente.
- Oi . - ela me cumprimentou e eu sorri de volta. - Não escute as bobagens que o Paul fala, ainda está pra nascer alguém mais difícil que ele.
Paul se limitou a dar ombros e revirar os olhos, enquanto eu continuava perdida e sem falar nada. Talvez eu parecesse assustada, mas não tanto depois que Emily apareceu com uma montanha enorme dos brownies de chocolate que Sam mencionara. Jared e Paul pegaram uns 3 de uma vez assim que eu peguei um para mim e vi Emily lançando um olhar de reprovação para os dois. Ela suspirou e se sentou do outro lado da mesa, também pegando um brownie.
- Em, nós te amamos. - disse Jared terminando de engolir o segundo.
Mordi o meu e finalmente entendi porque Sam havia feito tanto alarde. Por fora eu só parecia comer normalmente, por dentro eu aplaudia de pé, imaginava aquela bandeja com os brownies iluminados por holofotes e Emily ganhando o Oscar da culinária ou qualquer coisa assim. Debra não conseguiria fazer brownies assim nem se cada passo fosse cientificamente acompanhado por um profissional e os ingredientes fossem escolhidos a dedo. Cozinhar, na verdade, nunca foi mesmo o forte dela, estranhamente essa tarefa era de Matthew, mas ele pareceu abandonar o posto desde que saímos da Flórida. Uma pena...
Sam apareceu com sua cara séria novamente, interrompendo o meu devaneio gastronômico. Ele se sentou ao lado de Emily, que segurou a sua mão, parecendo uma autoridade prestes a fazer um pronunciamento. Eu ainda não sabia exatamente o que estava fazendo ali, mas obviamente aquilo era direcionado a mim, então me obriguei a prestar total atenção.
- , você descobriu tudo de um jeito não muito fácil... - ele começou, enquanto milhões de perguntas voltavam a se formar na minha cabeça. Tudo?, pensei, O que é tudo, afinal? Mesmo quando eu sei de alguma coisa eu pareço não saber de outras dez... Como eu não expressei nenhuma mudança, ele prosseguiu. - Você nos viu ontem à noite, eu me pergunto se antes daquilo você já sabia sobre nós... - e ele olhou sugestivamente para Paul, que estava distraído.
Ele provavelmente se referia à conversa que eu havia tido com Paul na manhã anterior, com Lisa dentro da lanchonete. Então Sam não sabia que eu já tinha ideia dos lobisomens mesmo antes de conversar com Paul... E não sabia da conversa que eu havia escutado entre ele e Jake no dia em que eu fui levar a receita na casa dele. Maldita mania de ouvir atrás da porta.
- Na verdade, Sam, eu sabia sim. - respondi, ainda meio incerta. - Bom, sabia e não sabia, ao mesmo tempo. É que... há alguns dias atrás eu vim aqui, quer dizer, na casa do Billy entregar um recado do meu pai e, ah me desculpa, escutei você e Jacob conversando. Eu não pude evitar, eu acabei escutando o meu nome! - já comecei a pedir desculpas e ele assentiu para que eu prosseguisse com calma. Respirei fundo e continuei. - Ok, eu escutei vocês dois falando do Daniel Handler e da irmã dele, e depois falando em lobisomens então... A princípio eu não acreditei porque, bom, quem acreditaria? Mas eu já sabia sobre os vampiros, então lobisomens também não me parecem muito improváveis. Aliás, nada mais me parece improvável; se algum de vocês me falar que é um gnomo ou uma fada, eu acredito.
Vi Sam sorrir e abaixar a cabeça. Não sabia qual era a graça, mas era melhor do que toda aquela seriedade no ar que incomodava.
- Bom, é isso. - concluí, esperando que ele começasse a falar sobre os vampiros, assim eu diria tudo sobre Daniel.
- Jacob não te contou nada? - ele perguntou, erguendo as sobrancelhas. - Digo, nesse dia que você nos escutou conversando, ele não te contou nada depois?
- Por que depois? - estranhei a pergunta.
- Eu me lembro de ter entrado com ele e visto o seu bilhete, então Jake foi até a sua casa falar com você. Ele não te contou nada lá?
- Não... - respondi.
- Nem mais tarde? - Paul perguntou, falando pela primeira vez.
- Mais tarde? - perguntei, me lembrando do "mais tarde" que ele se referia.
- Ah, por favor, quando vocês dois saíram à noite! - ele disse com tédio evidente. - Ele ficou pensando nisso durante dias... Por isso é que eu reclamo, é a pior parte de todas, sabia?
- Pior parte de que? - insisti, ficando completamente perdida. - E como é que você sabe que a gente saiu?
Paul ia gritar comigo mais uma vez quando Sam ergueu uma mão para que nós dois o escutássemos. Jared me encarava com a mesma emoção que ele havia dito sentir quando as pessoas descobriam a verdade. Pelo menos alguém se divertia.
- Calma. - Sam pediu, voltando a olhar pra mim. - , você, que já sabia sobre nós, disse alguma coisa a respeito para o Jake?
- Bom, disse. - respondi, logo me lembrando que havia dito, sim, mas logo depois de ficarmos um bom tempo nos beijando no carro, não era exatamente um detalhe que eu queria dividir abertamente. - Ele disse que queria me explicar uma coisa, eu logo que entendi que era a respeito de vocês e eu disse que já sabia, só isso.
- E mais nada?
- Mais nada.
Silêncio mais uma vez. Não estava gostando nem um pouco daquilo, antes eu tivesse ficado na escola amparando a dor inexplicável de Lisa. Mas aquela parecia a primeira vez que eu teria respostas de verdade, não apenas insinuações ou então frases do tipo "pergunte pros seus amigos lobisomens."
- Tudo que você sabe sobre nós, basicamente, foi o que os vampiros te contaram, certo? - eu assenti e ele voltou a falar. - O que eles te contaram?
- Nada de mais, eles praticamente só mencionaram que vocês existem, só isso. - respondi, escondendo que eles haviam me dito outras coisas mas que foram tão subjetivas e vagas que achei melhor não comentar.
- Vamos lá. - Sam disse, parecendo que as perguntas sem sentido haviam finalmente acabado. - Não sei e nem quero saber como você soube dos vampiros, tenho certeza que não foi nada agradável. - Você não faz ideia, pensei. - Mas, agora que você faz parte do grupo, tem o direito de saber tudo sobre nós, lobisomens.
- Parte do grupo? - perguntei.
- Eu não disse? - riu Paul ao meu lado. - Você aderiu ao movimento oficialmente.
Sam lançou um olhar parecido com o de Emily para Paul e ele parou definitivamente com as interrupções para piadas.
- Nós somos algo um pouco diferente de lobisomens, na verdade, somos transmorfos... mas lobisomens fica mais fácil de falar. - Sam explicou. - Nós nos transformamos em lobos espontâneamente, mas alguns membros do grupo tem uma dificuldade de controlar suas emoções e literalmente explodem. - ele olhou para Paul, que revirou os olhos mas não fez nenhuma reclamação. - E podemos ler pensamentos uns dos outros quando estamos na forma de lobo, assim nos comunicamos quando estamos, por exemplo, de vigília, que nem na floresta ao lado da sua casa.
- E por que, afinal, vocês fazem isso? - perguntei, aquilo me incomodava desde a noite anterior.
- Porque o seu amigo vampiro, Daniel, está se alimentando de pessoas no condado. - Jared respondeu. - E ele sempre vai até onde você mora para fugir de nós, só que, das últimas vezes, ele só ficou ao redor da sua casa e depois corria de volta ao centro de Warrenton.
- Provavelmente para matar mais alguém... - disse Emily, pensativa.
Então o que Lisa havia dito era verdade, Daniel se alimentava de pessoas, mesmo quando havia me garantido e jurado que passara a beber apenas sangue animal.
- Aah, que merda! - exclamei, sentindo as lágrimas voltando para os meus olhos e afundei o rosto nos meus braços para evitar cair no choro. - E a Lisa, a irmã dele?
Minha voz saiu abafada, mas pelo menos não chorei. Consegui engolir as lágrimas e me levantei novamente, encarando os quatro rostos na mesa.
- Por incrível que pareça, ela não é como ele. - Sam respondeu. - Nossa área é a baía de Young, como lobos nós não podemos passar de lá, e a vampira parece só sair à noite por lá. As mortes no condado sempre são culpa do outro vampiro.
Me senti mal por duvidar de Lisa, na verdade ela só queria proteger Daniel... ou se ver livre dele.
- Ontem à noite nós decidimos parar na porta da sua casa, assim ele nem chegaria perto de você. - Sam continuou. - Ele apareceu nós o seguimos até a baía e encontramos um rastro de sangue pelo caminho.
Não gostei como aquilo soou.
- Sangue de mais duas pessoas de Warrenton. Isso é o pior que já vimos, os últimos vampiros que apareceram por aqui não morderam ninguém e, em menos 3 anos, só um faz o maior estrago com o maior número de pessoas possível...
- Últimos vampiros? - perguntei, me atendo ao detalhe.
Eles se entreolharam, parecendo incomodados. Pronto, mais um problema, mais alguma coisa que eu desconhecia.
- Isso é outro assunto, eu te explico mais tarde. - Sam mudou de assunto, mas ainda me deixando irritada. - O importante é que você entenda o que está acontecendo agora.
Não engoli aquela. Imediatamente me lembrei do que eu escutara (mais uma vez atrás da porta) no ano novo, a conversa entre Harry e Billy. Os dois falaram algo sobre Gavin e outros vampiros há muito tempo em Warrenton, mas eu não conseguia me lembrar direito.
- Sam, o que o meu pai tem a ver com isso? - perguntei de uma vez, já que aquele parecia o dia de tirar todas as dúvidas.
- Seu pai? - ele perguntou, parecendo verdadeiramente surpreso. Contei a ele sobre o que eu escutara e ele ainda não sabia me responder. - Posso perguntar aos dois sobre isso, deve ser algo de muito tempo atrás.
Assenti, acreditando na sua resposta. Agora sim tudo era mais claro e foi a enfim conversa esclarecedora que eu tanto desejei. Eu não estava mais em pânico como antes, mas duraria pouco tempo, só até começar a escurecer e eu ficar em estado de nervos por conta de quem estaria lá fora. Não era justo ficar dentro de casa enquanto todos os garotos andavam por aí, mesmo que em grupo, procurando Daniel - que por minha causa, aparentemente, andava fazendo merda pelos cantos da cidade.
- Então é isso. - Jared concluiu. - Essa é a hora em que as perguntas começam a pipocar na sua cabeça, coisas bobas mas que fazem a diferença. Por favor, faça perguntas decentes, porque a sua reação foi a menos engraçada de todas até agora.
- É porque ela é das nossas, Jared, gente estranha é sempre assim. - Paul riu, sem se controlar em fazer piada. Mostrei rapidamente o dedo do meio para ele, que abriu a boca em falso espanto. - Vocês viram isso?
Todos começaram a rir, incluindo Sam. Emily se levantou e tirou mais brownies do forno; assim que ela os colocou na bandeja eles pareceram sumir num piscar de olhos. Foi o tempo de comer apenas um e já estava quase acabando. Imagino como seria quando todos os garotos estivessem juntos.
- Vampiros tem poderes? - perguntei, encarando os pedaços de nozes dentro do brownie na minha mão. - Quer dizer, algo além do óbvio da força, velocidade e tudo mais.
- Bom, mais ou menos. - Sam respondeu. - A maioria consegue controlar a mente da pessoa, hipnotizá-la e fazer com que ela fique fora do ar, sabe? Como uma TV sem antena.
Eu sabia que assistir True Blood não era perda de tempo!
- Ah... - suspirei, percebendo que havia encontrado mais um monte de perguntas.
- O que foi?
- Por algum motivo, algo muito fora do normal, Daniel não consegue fazer isso comigo. - respondi, com a voz baixa. - Na verdade ele até consegue, mas não completamente. É como se uma cortina branca ficasse na minha cabeça quando ele está por perto, eu esqueço todo o tipo de razão, fico meio inconsciente... mas não completamente, parece que lá no fundo eu luto pra fugir desse estado. E logo quando me afasto já começo a voltar ao normal. E quanto mais eu descubro sobre ele, menos influência sobre mim ele tem. Parecia que eu tinha um buraco por dentro, um vazio esquisito... Mas passou. Se bem que...
Não terminei a frase. Falando em coisas vazias, tentei expor o meu raciocínio mas alguma peça faltava. Alguma lembrança ou alguma sensação estava perdida na minha cabeça, e parecia ser essencial para entender qual era a desse poder e porque ele funcionava de um jeito diferente comigo.
A ideia estava tão perto e tão óbvia que eu quase poderia tocá-la, mas eu não enxergava direito. Frio, janelas embaçadas, vento, janelas abertas...
- Se bem que...? - Paul incentivou.
Pisquei. Os sonhos.
- Eu tenho uns sonhos muito estranhos, se vocês querem saber. - respondi de uma forma não muito inteligente. Vi as várias caras de interrogações na minha frente e resolvi explicar melhor. - Eu tenho sonhos lúcidos. Eu me deito com o intuito de tê-los, é algo que todos podem fazer. Eu fico imóvel por muito tempo, ignorando qualquer sinal que meu cérebro mande para o meu corpo se mover, até que eu adormeço por fora. Bom, por fora eu quero dizer que o meu corpo descansa, mas minha cabeça ainda está acordada. Daí eu começo a construir sonhos muito vívidos, interajo com o ambiente e com as pessoas. Mas se alguma coisa acontece comigo enquanto eu sonho, eu posso morrer. Teoricamente, estou dormindo, mas é algo mais parecido com o coma; eu só saio quando acordar de verdade.
- Espera... - disse Emily. - Mas se a sua mente está acordada é isso que importa, não?
- Sim, mas não adianta nada eu saber que estou acordada se eu não conseguir "voltar para o corpo." - fiz aspas com os dedos. - Eu fico à deriva.
- E o que isso tem a ver com o vampiro? - perguntou Paul.
- Como você já está subconsciente, se ele tentar te hipnotizar ou te manipular, ele vai conseguir facilmente, você não tem outra escolha. - Emily concluiu antes que eu pudesse falar. - É lutar consigo mesma.
- Exatamente. - assenti, feliz com a explicação melhor do que eu queria. - Eu fico presa na minha mente e qualquer um entra e faz o que quiser por lá.
Agora sim parecia loucura. Sam unia as sobrancelhas, eu praticamente via fumacinha saindo de suas orelhas para tentar digerir o que tinha acabado de escutar. Não era bem de complicações que nós precisávamos, mas aquilo parecia necessário.
- Viu só porque você é parte do grupo naturalmente? - Paul voltou a implicar. - É a mais estranha de todos nós!
Mas esse comentário não surtira tanto efeito, principalmente porque Sam ainda estava calado, movimentando as ideias. Quando ele parecia prestes a entrar em colapso nervoso, ele descruzou os braços e relaxou a postura na cadeira.
- Bom, temos que trabalhar nisso daqui pra frente, mas tenho certeza de que não teremos problemas. - e se levantou da cadeira, indo em direção ao outro lado da casa. - Pelo amor de Deus, chega de problemas.
Mais brownies. Comi meu terceiro com satisfação enquanto Jared e Paul exaltavam a maravilha que aquilo era, que era o melhor que já haviam comido. Emily provavelmente escutava aquilo todos os dias, ela só sorria e revirava os olhos. Observei enquanto eles faziam brincadeiras entre si, no quanto aquilo era familiar; era bem o tipo de coisa que Matthew e eu fazíamos até nos mudarmos. Depois tudo ficou distante e se resumindo à minha infelicidade em Warrenton e ao novo comportamento dele.
- Ainda 'to esperando as suas perguntas, forasteira. - repetiu Jared, apontando pra mim. - Não adianta, todo mundo tem suas dúvidas.
- Hmm, ok. - concordei, entrando no jogo dele. Me forcei a lembrar do que eu havia visto em True Blood só pra ter inspiração. - Prata: mito ou verdade?
- Mito. Próxima.
- Lua cheia eu já sei que é mito, então... Quão rápidos vocês são?
- Muito. - respondeu Paul, se exibindo. - Uns mais do que os outros, mas em geral somos mais rápidos que a velocidade máxima que o seu carro atinge.
- Vão começar a se gabar e eu já escuto essas histórias há muito tempo... - Emily suspirou e tirou o avental branco que usava por cima da roupa. - Eu vou até a loja ajudar pegar as encomendas e já volto. Não destruam a cozinha e, , por favor cuide para que eles não comam o resto dos brownies que eu guardei.
Assenti de volta enquanto os outros dois gritavam reclamações e protestavam, mas ela já estava longe.
- Acho que o mais rápido de nós é o Seth, mas só porque ele é pequeno, então o vento leva ele. - disse Jared, muito incerto.
- Essa é a lógica mais furada que eu já vi na minha vida. - Paul riu na cara dele. - Não, é ruim admitir mas a Leah é a mais rápida e ponto.
- Por que tanta resistência da Leah? - perguntei, me intrometendo no assunto. - Ela realmente não quer ser parte do grupo?
Os dois trocaram um olhar rápido e assumiram uma postura menos relaxada, me fazendo questinar a seriedade da minha pergunta.
- Não é só por isso... Deve ser difícil pra ela ser a única mulher e tudo mais, mas a situação da Leah é, digamos, incômoda. - respondeu Jared.
- Ela, Sam e Emily. - Paul completou em voz baixa, mas voltou ao normal ao constatar que Sam havia saído com Emily.
- Como assim? - insisti, como se fosse da minha conta.
- Ah, eu sempre esqueço que você não sabe. Sam namorava Leah quando os dois estudavam juntos, mas aí Sam se transformou e tudo mais. Sumiu por uns tempos e, quando voltou, se apaixonou pela Emily.
- E elas são primas. - completou Paul.
- Ok, mas assim do nada?
- O Sam teve um imprinting e foi com a Emily. - Jared disse.
Já era a segunda vez que eu escutava isso e ainda não tinha ideia do que era, o termo parecia me perseguir e começava a me incomodar.
- Afinal, que diabos é imprinting? - perguntei, enfim.
- Não é comigo... - Paul disse, levantando as mãos num gesto exagerado de rendição.
Jared revirou os olhos para ele e cruzou os braços em cima da mesa.
- Depois da transformação, nós, lobisomens, temos a chance de encontrar uma garota x, uma pessoa única que, por algum motivo, foi feita para nós. Alguns passam a vida sem encontrar essa pessoa, é algo raro de acontecer. Mas, quando acontece, dá pra saber... Não é nada que já foi sentido antes. Aliás, tudo que já foi sentido antes não tem mais lógica alguma, um mundo novo, um motivo de viver é colocado na nossa frente. É por essa pessoa que a gente passa a viver e respirar.
- Você parece muito ciente do assunto. - comentei. - Você encontrou a sua "garota x?"- fiz aspas com os dedos.
- Sim. - ele respondeu, um sorriso sincero brotando lentamente nos lábios. - O nome dela é Kim. A gente se conhecia há muito tempo, mas eu nunca havia reparado nela. Um belo dia, um tempo depois de eu me transformar, eu a vi na escola e... bom, já dá pra imaginar.
- Uau, quem diria. - sorri, e ele começou a rir. - Mais alguém sofreu imprinting além de você e Sam?
Mais uma vez os dois se olharam e eu já começava a entender o que aquilo significava.
- Bom, tem o Quil, mas com ele também é bem complicado. - riu Paul.
- Por que?
- Como eu disse, a gente não escolhe a pessoa. - Jared começou. - Ela simplesmente é feita para nós e pronto. A partir daquele momento, do primeiro contato, os dois estão ligados para sempre; mesmo que a garota não seja transmorfa, ela vai sentir os efeitos, é algo forte demais para ser sentido por um lado só. Daquele ponto, a relação entre os dois pode ser de qualquer coisa: melhor amigo, irmão, parceiro... A do Quil se encontra em fase indeterminada.
- Como isso é possível? - estranhei, se é que alguma coisa não me estranhava.
- Ele teve um imprinting com Claire, sobrinha de Emily, que tem 2 anos de idade. - Paul completou com um efeito teatral.
Arregalei os olhos. Mas... Mas não era possível. Ou era? Tudo era perfeitamente possível naquela cidade, tudo fazia sentido pra mim... Mas uma menina de 2 anos?
- Calma! - Jared ergueu as mãos. - Não é isso que você está pensando, ok? Agora Quil é como um irmão mais velho para a menina, ou babá maltratada, como preferir. Daqui a um tempo eles serão como melhores amigos e, um dia, quando ela tiver idade o suficiente, serão felizes para sempre como um casal chato e entediante que nem Sam e Emily.
- E você e Kim. - Paul riu, recebendo um dedo do meio de Jared. - Virou moda isso aí?
Ok, aquilo parecia mais aceitável, mas não deixava de ser mais bizarro do que qualquer coisa que eu já tivesse ouvido.
- Então vocês não envelhecem? - perguntei, me lembrando da resposta anterior.
- Mais ou menos... - Paul respondeu. - Nós nos desenvolvemos de forma mais rápida até os 20 anos, mais ou menos, e então o envelhecimento fica bem mais lento, quase imperceptível. Mas se alguém quiser sair da alcatéia e seguir o próprio caminho, afastado do grupo, seu corpo voltará ao crescimento e estágio normal de envelhecimento. Mas quem é que vai querer uma coisa dessas?
Revirei os olhos, mas acabei sorrindo. Era fácil demais conversar com eles, mesmo que eu fosse o motivo das piadas, até já estava me acostumando.
- Tá bom, Sam, Jared e Quil sofreram imprinting... - contabilizei. - Parece que não é tão raro assim, não é? Tem mais alguém?
Terceira troca de olhares entre os dois e aquilo me irritou profundamente. Será que mesmo já sabendo tantas coisas a respeito dos lobisomens eles continuariam a guardar segredos? Não que eu quisesse saber da vida pessoal de cada um naquele grupo, mas que os olhares atravessados incomodavam isso era verdade.
- Não sei nós somos as pessoas certas pra te contar isso. - começou Jared, depois desistiu e reformulou a frase. - Quer dizer, nós não somos mesmo as pessoas certas pra te contar isso, sabe, não é exatamente da nossa conta, só da sua.
Encarei os dois de forma incrédula. Meu raciocínio podia estar lento graças às inúmeras informações novas, mas eu havia entendido o que eles queriam dizer. Senti um arrepio percorrendo o meu corpo, mas era um arrepio bom, daqueles que fazem os seus nervos se movimentar e vibrar. Sorri com o canto dos lábios olhando fixamente para um ponto além dos dois na cozinha.
- Foi comigo, não foi? - perguntei, decidida.
Pelo canto dos olhos vi os dois assentirem, de cabeça baixa.
- Foi o Jake, não foi? - perguntei mais uma vez, mas já com certeza da resposta.
- Como você é gênia. - ironizou Paul. - Mas é claro que foi ele, qualquer um que veja ele pode dizer o quanto ele fica retardado perto de você. - sorri junto com ele. - Mas, falando sério, deve ter alguma coisa errada com você...
- Por que? - perguntei, ofendida.
- Porque o objeto do imprinting sempre sente os efeitos desse amor incondicional. - respondeu Jared. - E, não me leve a mal, mas você parece completamente imune à qualquer coisa, não demonstrou sinal nenhum, nadinha.
- Mas quem disse que eu não senti nada? - me defendi, dizendo a verdade. - Se vocês querem saber, eu gosto del...
Percebi os dois com as cabeças quase unidas e focadas na minha direção, prestando atenção em cada palavra que eu dizia. Suspirei e soltei o fôlego lentamente, contando de 1 até 10.
- Quer saber? Eu não preciso ficar discutindo e contando sobre os meus sentimentos para vocês dois, não sem antes resolvê-los com o Jake. - afirmei, me levantando da cadeira. - Acho que foi coisa demais pra uma tarde só, provavelmente não vou dormir essa noite... Não só de preocupação, mas de pânico por todos vocês andando por aí também... E ainda estou matando aula, então acho melhor eu ir embora.
Os dois davam gargalhadas inimagináveis, quase pude ver os dois chorando de rir. Acabei sorrindo contra a minha vontade, mas não cedi à suposta piada que eles faziam de mim. Pelo visto eu teria que me acostumar.
- Matando aula? - Paul perguntou depois de se acalmar. - Ah, vê se mata aula direito então! São quase 3 da tarde, vai lá resolver seus sentimentos com o Jake.
- Ele vai sair da escola agora, quer que a gente te leve lá? - perguntou Jared.
- Tudo bem, eu vim de carro, mas não lembro direito onde estacionei e nem como eu chego à escola daqui... - comentei, envergonhada por mal saber o caminho de volta.
- Warrenton faz mal às pessoas, eu sempre disse isso. - Paul comentou, enquanto me guiava para fora da casa. - A gente acha o seu carro e te mostra o caminho da escola... Mas não se acostume porque eu não sou legal assim com todo mundo.
- É, não é mesmo. - Jared comentou em voz baixa, fechando a porta da cozinha e nos acompanhando.
- Cala a boca, cara! Você me ama, isso sim. - Paul provocou, desenhando um coração no ar na direção de Jared.
Assisti os dois fazendo esse tipo de brincadeiras entre si por muito tempo, até assumirem um caráter mais sério e perigoso - não via nada de seguro em dois caras enormes se socando publicamente e rindo logo em seguida. Como sempre, Paul riu da minha cara de preocupação.
- Não liga não, isso é normal, sabe como é, brincadeira de família. - ele ainda ria. - Você também faz parte, logo, é só uma questão de tempo até você se acostumar.
Agora eu era parte de uma família.
O pânico no meu rosto era evidente. Bom, não era pânico de verdade, mas era a maior ansiedade que eu já sentira em toda a vida. Jared e Paul não ajudavam muito, ao menos eles conseguiram encontrar o lugar onde eu havia estacionado o carro. Quando ia abrir a porta do lado do motorista, hesitei e chamei Jared, jogando as chaves para ele e dando a volta para o banco de trás.
- Eu não sei chegar até a escola daqui. - respondi enquanto os dois me encaravam com olhares de interrogação. Abri a porta e deslizei pelo banco e me estiquei ali
Os dois se acomodaram na frente e Jared ligou o carro, não demorando muito para sair de onde estava. Eu fiquei de olhos fechados, apenas sentindo a vibração do banco e o barulho de Paul pressionando os botões do rádio nervosamente.
- Ei, esse carro é da sua professora de História, e não meu. - me manifestei quando ele continuou a mudar de estação frequentemente. - Aliás, o que vocês dois estão fazendo fora da escola? - percebi que soei exatamente igual a Debra.
- Olha só quem fala! - riu Paul, se virando para trás.
- A gente está matando aula por um bom motivo. - respondeu Jared ainda olhando para frente e manobrando o volante. - E pare de reclamar, se a gente não estivesse livre você teria que passar pela conversa mais séria e sem graça do universo.
- Por causa de Sam? - perguntei, me lembrando do tom formal e contido que ele usava todo o tempo, mas a maneira como ele não conseguiu resistir às piadas de Paul não era exatamente essa dureza toda que ele demonstrava.
Jared fazia uma curva por algum lugar que eu mal conhecia, eu devia me levantar do banco e acompanhar o caminho para conhecer melhor Talapus, mas minha cabeça parecia pesar uma tonelada.
- Sim e não. - ele respondeu. - Sam é um cara legal, mas ele tem ficado cada vez mais tenso. Acho que ele não suporta ficar sem saber de nada ou não estar no controle de alguma coisa.
- Eu era um problema, então?
- Não, você ainda é um problema. - respondeu Paul e torceu os lábios para mim. - Olha, só de pensar que agora eu vou ter que aguentar Jacob com você na cabeça dele o tempo todo... Já não é fácil com esse aqui, - ele apontou para Jared. - Quil com a bebê dele e ainda Sam e Em, ainda tem você! - ele logo riu depois que eu mostrei o dedo do meio na sua direção. - É brincadeira, , a gente gosta de você.
- Vocês também são legais... - respondi com um sorriso. - Só estou respondendo o que minha mãe me ensinou.
Jared abriu a boca com indignação e ameaçou me expulsar do "meu próprio" carro. Eu realmente achei que ele poderia fazer uma coisa dessas, o que o impediu foi ter chegado na rua em frente à escola, onde alguns poucos alunos estavam do lado de fora. Me coloquei sentada e afundei meu rosto no banco atrás de Paul. A ansiedade revirava o meu estômago, mas era uma sensação estranhamente boa, como aquele nervosismo de encontrar alguém importante depois de um longo período longe.
- Qual é o plano? - perguntei e os dois olharam para mim incrédulos. - Ah gente! Minha mãe está por aí, vocês acham que eu vou descer do carro e arriscar aparecer na frente dela? Por favor, é a última coisinha que eu peço a vocês...
Paul revirou os olhos para a minha cara de gatinho do Shrek, mas Jared comprimiu os lábios e assentiu levemente. Ele também tivera imprinting, ele sim carregava o que eu chamaria de sensibilidade pra esse assunto.
- Tudo bem. - ele largou as mãos do volante e se virou na minha direção. - Nós vamos esperá-lo aqui na porta e você, vejamos... - ele apontou para um ponto um pouco distante, onde começava uma parte da floresta. - Você vai ter que esperar ele por lá, em qualquer lugar a sua mãe vai te ver. Dá pra chegar ali no lago Cullaby em cinco minutos, tenho certeza que ele vai correr o caminho inteiro.
Assenti, enquanto ele fez sinal para que trocássemos de lugar. Saí do banco de trás e ele já estava do lado de fora. Quando me entregou as chaves, se aproximou para me dar um abraço e disse "Boa sorte" enquanto eu entrava de volta no carro. Paul voltou a revirar os olhos mas fez um aceno e sorriu na minha direção, isso depois de quase quebrar a porta depois de sair do carro.
Agora eu estava totalmente por minha conta. Os dois se afastavam conversando e eu liguei o carro, dando a volta na vaga onde Jared havia estacionado e seguindo na direção que ele havia apontado.
O lago Cullaby era monstruoso de tão enorme e escuro, mas ocasionalmente ficava verde por causa do reflexo das várias árvores altas e espessas que ficavam em volta. Haviam algumas pequenas plataformas de madeira fraca para os pescadores; naquele dia haviam umas 3 ou 4 canoas paradas em pontos diferentes, os único barulhos que eu escutava vinham da água que batia nas margens ou dos galhos e das folhas se chocando entre si por causa do vento. Tudo era imaculadamente verde e calmo, o que não exatamente foi o suficiente para acabar com o meu nervosismo. Pelo contrário, parecia que o meu sistema nervoso estava analisando o lugar e tinha tomado decisões por conta própria. Um lugar tão bonito e tão vazio merece ser preenchido com desespero e ansiedade, sim, essa é uma ideia fantástica.
Eu havia deixado o carro parado onde ainda havia estrada. Atravessei algumas poucas árvores que rodeavam um caminho aberto para o lago e andei por todo o campo que havia em volta nas margens. No meio de tanto verde, havia um banco de piquenique ao lado de alguns arbustos, e foi para lá que eu andei. Antes de me sentar, conferi se não estava molhado. Me virei de frente para o lugar de onde havia saído, imaginando a figura de Jacob surgir ali a qualquer momento.
Não aguentei segurar todo o nervosismo e me virei de costas para me encostar no banco. Apoiei meus braços ali e segurei minha cabeça com as mãos, bagunçando o meu cabelo que já voava na minha cara por causa do vento. O que eu vou dizer pra ele? Não, espera, quem tem que me dizer algo é ele, e não eu. NÃO! Claro que não, que burra eu sou, só vou ficar assentindo e concordando com tudo? Ele já sabe que eu sei... Ou ele acha que eu sei uma parte mas não sabe que eu sei do imprinting. Será que ele realmente sabe que eu sei de tudo? Que?
Eu era dessas que transparecia tudo que pensava, portanto não seria de se espantar se alguns dos pescadores estivessem encarando uma garota que travava uma discussão interna consigo mesma. Aposto que eles estavam num dia mais fácil que o meu.
- Eu sou um desastre. - disse para mim mesma, colocando duas mechas de cabelo atrás da orelha e respirando fundo com voz de choro.
- Não se preocupe, eu também sou.
Ataque cardíaco. Arregalei os olhos e virei lentamente para trás assim que escutei a voz tão conhecida. Eu demoraria um bom tempo até me acostumar em tê-lo tão perto; eu constantmente pensava nele, até então tudo parecia apenas algo que brotou da minha mente, mesmo com todas as provas e confirmações que eu tivera. Mas Jacob estava causando um efeito mais louco do que eu imaginei. Eu queria poder levantar do banco num salto e pular em cima dele, mas o clima de assunto sério ainda pairava no ar.
Jake não tinha muita expressão, só me olhava de cima sem dizer nada, mas dava para sentiro seu nervosismo à flor da pele assim como o meu. Não pude deixar de reparar no quanto ele continuava bonito independente da situação; devo ter olhado por tempo demais, mas só percebi quando ele deu sinais de que ia falar.
- , me desculpa não ter te falado nada antes, eu... - ele entrou em pânico sem motivo. - Eu devia ter te contado há tanto tempo! Argh, isso não é certo, você deve estar tão...
- Calma, cara. - levantei as mãos pedindo para ele tomar ar. - Eu ando descobrindo coisas demais e é sempre sem querer, não precisa se justificar por nada, eu entendo que você tinha de guardar um segredo.
- Mas não de você! Eu não devia guardar nenhum segredo de você.
Olhei para cima e analisei o céu nublado por um momento; até então não estava chovendo, mas também não demoraria muito. Me apoiei na mesa e fiquei em pé no banco, dando um salto em seguida e ficando ao lado dele. Já dava pra sentir aquela força de atração só de me aproximar mais um milímetro dele, como se fôssemos dois ímãs. Jake era infinitamente mais alto, então eu tive que erguer a minha cabeça para olhar diretamente em seus olhos castanhos.
- Vamos andar. - me virei para o lado, dando um passo para frente e apontando para o lado em uma circunferência. - Sam me fez passar um tempão sentada, preciso deixar o sangue fluir pelo corpo todo.
- Um tempão? - ele repetiu, erguendo as sobrancelhas. - Há quanto tempo você está aqui?
- Desde as nove da manhã, por aí. - respondi, me virando para trás. - É que não dava pra esperar em Warrenton, então decidi vir pra cá e Sam acabou me encontrando e me arrastando para a casa dele.
- Espera, você matou aula? - Jacob juntou os fatos e um sorriso começava a aparecer nos seus lábios. Eu assenti e ele soltou uma risada. - Você matou aula pra falar comigo? E esperou até agora porque não conseguia ficar em Warrenton? - ele parecia maravilhado e seus olhos até brilhavam.
- Sim, e eu teria ficado num bom tédio se Sam não tivesse aparecido. - respondi mais uma vez, indo para o lado dele e empurrando-o para frente. - É sério, eu preciso caminhar um pouco.
É claro que era uma visão absurda, eu empurrando Jacob na esperança de que ele se movesse. Não preciso deixar mais claro a insignificância do meu tamanho ao lado dele, por isso era uma visão tão cômica. O interessante - interessante, essa é a palavra - foi o quanto o meu primeiro contato com sua pele quente me deixou aquecida de uma vez, o frio que eu sentia passou imediatamente.
- Você é incrível. - ouvi ele dizer enquanto, para a enorme surpresa de todo o meu corpo, ele deu um passo para frente e segurou a minha mão, entrelaçando os seus dedos e apertando-a com segurança.
Obviamente, eu comecei a sorrir feito criança em manhã de Natal. Abaixei a cabeça para que ele não visse o quanto eu estava vermelha e começamos a andar lentamente, contornando o lago Cullaby e, claro, sem soltar as mãos.
Deus me livre perder qualquer tipo de contato com ele.
- Mas que droga, todo mundo te contou tudo antes de mim! - era só o que Jacob falava. Ele bem que tentou fazer uma introdução ao assunto "sou um lobisomem" mas eu tive de interrompê-lo e dizer que eu já sabia de tudo, de todos os mínimos detalhes. - Ah, porque se eu quebro as regras, uh, coitado de mim.
- Espera, mas você não quebrou regra nenhuma. - uni as sobrancelhas. - Quer dizer, ninguém quebrou regra nenhuma... Tecnicamente, eu descobri tudo sozinha, eu só precisava de alguém pra me ajudar a organizar as ideias com algumas coisas que faltavam, só isso.
- E esse alguém deveria ter sido eu, não Paul e Jared.
- Mas foi Sam... - corrigi em voz baixa, e ele me olhou como quem dizia "você me entendeu".
Já havíamos passado da décima volta no lago, eu já estava decorando a ordem dos arbustos que vinham pelo caminho. Foi um longo caminho e tempo suficiente para que eu repetisse não só o que eu havia dito na casa de Sam e Emily mais cedo mas, também, tudo aquilo que ele próprio havia me falado. Já me cansava essa de contar histórias o tempo todo, mas como era com Jacob eu não exatamente me importava. Eu podia contar a minha vida inteira e depois escutá-lo falando sobre qualquer mínimo detalhe do seu dia, só pra... Sabe como é, ter ele por perto.
- Eu imaginei mesmo que você já soubesse de quase tudo. - Jacob prosseguiu, balançando nossas mãos. - Você parecia já saber do vampiro e tudo mais...
- É, mas eu também descobri isso sem querer. - lembrei. - E não foi nada agradável, se você quer saber.
- Ok, prefiro ficar na ignorância.
- Tudo isso veio caindo em cima de mim sempre "sem querer". - prossegui, enquanto passávamos novamente pelo banco onde eu havia me sentado. - Primeiro foram os vampiros e, depois, aquele dia que eu escutei você e Sam conversando...
Jake parou de andar e puxou minha mão levemente, me olhando com um pouco de indignação.
- Que dia foi esse?
- Quando eu fui até a sua casa e deixei um bilhete... - respondi, pronta para pedir desculpas novamente por escutar atrás da porta. - O dia de Seaside.
Claro que eu fiquei vermelha assim que mencionei Seaside; eu sabia que, a partir daquele momento, ele estava mais próximo de me contar do imprinting que eu já sabia, mas ainda assim queria escutar a versão dele.
- Você... O que você escutou? - voltamos a caminhar com cuidado, ele tinha um certo pânico no olhar.
- Escutei você e Sam falando sobre vampiros, depois falaram sobre lobisomens... E não foi difícil de acreditar, nada mais me parece improvável em Warrenton. E também escutei as teorias de Sam sobre esse meu, ah, bloqueio mental.
- Eu me lembro. Ele disse algo sobre você ficar presa na sua cabeça e só conseguir ficar acordada fisicamente... - Jake lembrou, me fazendo assentir.
- Exato. O que vocês não sabiam é que eu fico assim quando estou quase dormindo, não é algo natural ou que acontece a todo momento. - tentei explicar usando as mesmas palavras de Emily. - Um dia desses eu dormi à tarde e, quando percebi, estava sozinha na trilha que vinha para cá. Eu custei a acordar de verdade, eu só seguia aquilo que me vinha à cabeça, como se fosse um sonho qualquer.
- Entendi... Você acha que é um sonho, por isso não mede o que está fazendo... - ele concluiu ainda mais perfeitamente. - Isso é perigoso demais.
- É assim que o Daniel entrava na minha cabeça assim que eu o conheci. - admiti, afastando as lembranças de ficar tão focada nele e me esquecer do que eu fazia "do lado de fora". - Eu fiquei no piloto automático por um tempo. Até que ele se afastou por uns dias e eu parei de ser influenciada pela presença dele. Foi aí que...
Parei imediatamente. Eu tinha que reunir toda a coragem que me restava para contar absolutamente tudo a ele, era mais do que injusto deixá-lo de fora de qualquer parte da história.
- Foi aí que...? - Jacob insistiu para que eu continuasse.
- Jared disse que o objeto do imprinting sente tudo aquilo que o outro sente. - falei de uma vez, me lembrando do que os garotos haviam falado. Vi Jake arregalando os olhos rapidamente, ele não devia estar esperando que eu fosse tocar logo nesse assunto. - Então... Então por que eu nunca...? Argh, você entende?
Eu sentia que ia chorar pela terceira vez naquele dia, e não sabia se aguentaria segurar as lágrimas de novo. Respirei fundo três vezes enquanto percebi Jacob se preparando para falar.
- , você não precisa ficar nervosa. - senti ele soltando a minha mão e me abraçando de lado. Eu parecia uma criança perto dele, mesmo que minha altura fosse um pouco acima da média. Paramos ali, no meio do caminho, e ficamos em silêncio por um tempo, eu mal conseguia abrir a boca. - Você acha que eu também não fiquei em pânico com isso tudo? Fiquei e não foi pouco. Eu me lembro exatamente no dia que você e a sua família vieram até a reserva à noite. Eu estava dentro de casa quando vi você descendo do carro do seu pai e aí já estava tudo feito. Embry estava do meu lado e o imbecil quase caiu no chão de tanto rir quando viu a minha cara e percebeu o que havia acontecido...
- Mas você não vê a merda que eu acabei fazendo? - insisti e comecei a me desesperar. - Olha só o tempão que você deve ter ficado arrasado, me ver com Daniel, argh! Mas eu também não sabia de nada ainda... Aliás, ainda parece que eu não sei de uma porrada de coisas, isso ainda me dá uma raiva do caralho e também...
Não consegui terminar, Jake havia erguido a outra mão e tampado a minha boca completamente. Ele esperou até que eu tivesse parado de falar completamente e então me soltou.
- Como eu ia dizendo, pelo menos a gente tem uma noção do que estava acontecendo antes; sobre o vampiro, a irmã dele, você... Sam quase perdia o controle quando alguma coisa acontecia e ele não sabia a razão.
- É mesmo? Porque parece que todos os seus problemas apareceram quando eu me mudei para cá.
- , quando você vai entender que você não é o problema? - ele soltou uma risada. - É exatamente o contrário.
Diminuí meus passos e olhei para cima na direção dele. Por essa eu realmente não esperava; isso só mostrava o quanto eu era uma droga para "assuntos do coração" e provavelmente o imprinting era algo surreal demais pra mim. Mas, ao mesmo tempo que era tão difícil de entender, também parecia uma coisa certa.
Jacob olhou pra mim de volta e deixou um sorriso aparecer nos lábios. Abaixei a cabeça rapidamente, provavelmente meu rosto estava vermelho. Foi por isso que ele riu alto, me puxando pela mão e andando mais rápido de volta ao caminho que passei para entrar no lago.
- Mas então... - ele disse, completamente aleatório. - Matando aula?
Fechei os olhos e comecei a rir, não imaginei que ele fosse mudar de assunto completamente. Eu continuava sem saber o que fazer pra ter coragem de falar pra ele que, agora, o imprinting finalmente parecia funcionar, que eu gostava dele de verdade. Ou eu tinha algo de muito importante para falar e acabava desviando a atenção ou era isso: ele mudava de assunto completamente. Dava pra ver que ele ainda continuava nervoso, mas com certeza não era mais do que eu.
- Que droga, até parece que você nunca fez isso - respondi enquanto passávamos pelo caminho aberto e eu reconhecia o carro de Debra estacionado logo à frente. - Acho que essa é a primeira vez que eu mato aula em toda a minha vida. - vi Jake arregalando os olhos na minha direção. - Que foi? Quando se tem uma mãe professora é meio difícil burlar o sistema acadêmico.
- Engraçado... Sua mãe nunca pareceu se importar muito que eu faltasse na aula dela. - ele comentou, balançando a cabeça e ainda rindo. - Vai ver eu sou o aluno preferido.
- Isso significa que ela gosta mais de você do que de mim. - essa era a verdade, pelo menos era o que parecia.
- Ah, não fala merda!
- É sério! - insisti, me virando na sua frente. - Acho que só agora que o Matt está de cama que ela resolveu ser minha mãe de verdade.
- É mesmo, você até veio com o carro dela. - Jacob apontou para a frente, onde o carro estava parado.
Paramos bem ali e soltamos nossas mãos, nos encarando sem saber o que fazer. Era claro e evidente que a minha vontade ainda era de correr para ele e nunca mais soltá-lo, mas essa era a parte de mim que eu vivia tentando conter por medo de assustar demais as pessoas.
- Bom, e esse carro precisa voltar pra casa logo. - pensei no quanto Debra ficaria irada se descobrisse que eu havia matado aula. - Minha mãe volta pra casa depois das sete, mas ela pode muito bem me ver passando por aí e isso não seria nada legal.
- Você só tem que voltar com o carro para casa, só isso? Sua mãe vai precisar dele? - Jake parecia ter alguma ideia em mente.
- Na verdade não, ela dirige bem raramente. - respondi.
- Então você pode sair com o carro a hora que quiser. - ele mais afirmou do que perguntou.
- Ah, acho que sim...
Senti uma sensação boa, me lembrando imediatamente da última vez que ele fizera alusões com carros e saídas.
- E o que você vai fazer hoje mais tarde? - ele enfim perguntou com um sorriso torto que quase me fez desfalecer ali mesmo.
- Não sei, na verdade. - respondi feito uma idiota; não se diz não a essas perguntas, que droga.
- , amanhã é sábado. - ele lembrou. - Tenho certeza que você não tem que estudar até tarde hoje.
- Isso porque eu acabei de matar aula. Mas tudo bem, eu realmente não tenho nada pra fazer...
- Ótimo, você vai até a sua casa e vai ligar de lá para a sua mãe e pedir o carro emprestado. - Jake instruiu enquanto eu destrancava o carro e passava para o banco do motorista.
- Por que ligar de lá? E pra onde eu vou com o carro? - perguntei, esperando ele dar a volta e entrar pelo lado do passageiro.
- Porque assim ela pelo menos vai ter a ideia de que você foi pra casa. - ele respondeu com perspicácia, e eu ergui as sobrancelhas. - É que a mãe de Quil não sabe da verdade e não entende porque ele sai de casa toda noite, então a gente acaba aprendendo algumas coisas para enganar os pais.
Então eu não era bem a pessoa mais desinformada de todas. Pobre Quil...
- Tudo bem, não vou questionar as engenhosidades da alcatéia. - comecei a rir, enquanto fazia o caminho de volta e tentava encontrar a estrada para Warrenton. - Mas você ainda não me respondeu para onde eu vou.
- Nós vamos ficar aqui mesmo. É o lugar mais seguro e Warrenton me deixa irritado. - Jacob respondeu e me lançou um olhar de reprovação quando eu passei a marcha. - A estrada é pra lá. - ele apontou para o caminho que eu havia acabado de passar.
- Obrigada por ter avisado antes. - não foi um comentário muito educado, mas ele apenas riu e se virou para frente, abrindo o vidro do seu lado.
Passamos o caminho até Warrenton em silêncio, o que me ajudou bastante a me concentrar nas pequenas ruas de Talapus até encontrar a saída. Não muito tempo depois, eu já estacionava na garagem de casa e Jacob descia do carro parecendo impaciente por todos os meus erros na direção.
Dei a volta no carro e fui até o lado dele, que estava parado e tinha uma expressão fechada e alguns tremores pareciam percorrer o seu corpo. Fiz menção de dar um passo para frente, mas ele segurou meu braço e me fez voltar.
- O que foi? - perguntei, sentindo ele apertar as mãos em volta de mim.
- Um vampiro.
Ele me soltou e deu passos pesados até a varanda, parando na porta para que eu tirasse a chave do bolso e abrisse de uma vez.
- O que? - perguntei abaixando a voz com medo de que Matthew escutasse. - Como assim, que vampiro?
- Lá em cima. - ele apontou para a escada, segurando a minha mão e me puxando com ele.
- Espera! - sussurrei quando pisamos no corredor. Soltei sua mão e saí na frente com cuidado para não fazer barulho.
Parei na porta do quarto de Matt, encontrando-a entreaberta e podendo ver que a janela não estava trancada ou sequer encostada.
- Matthew? - perguntei em voz alta antes de entrar. - Matt? Tá acordado?
- Hmmmm... - escutei ele grunhindo de dentro do quarto. - Que? Ah, tem uma amiga sua aí.
- Que amiga? - perguntei, sentindo Jacob passando por mim e indo em direção à porta fechada do meu quarto. Torci para que Matthew não o visse, me salvando de inúmeras perguntas que eu não ia querer responder.
Matthew não respondeu, apenas caiu no sono mais uma vez. Corri para o meu quarto e tive que (tentar) empurrar Jacob do batente da porta, onde ele estava parado de frente para Lisa. Os dois se encaravam com raiva e pareciam prestes a se matar, não sabia se era seguro aparecer ali no meio ou não.
Vi Lisa se virando na minha direção e eu dei um passo para ela, mas logo sentindo mais uma vez a mão de Jake segurando o meu braço. Ela logo mudou sua expressão para o sorriso debochado e desafiador de sempre, ao que Jacob respondeu com um barulho que lembrava um rosnado ou algo assim.
- Gente... - me soltei da mão de Jake e entrei no meio do caminho dos dois, ainda com medo de que essa não fosse uma ideia muito inteligente. - Eu não quero ninguém morrendo no meu quarto, ok? Jake... - me virei para ele, colocando as mãos no seu rosto e fazendo ele olhar para mim. - Tá tudo bem, ela não vai me fazer nada. Certo, Lisa?
- Eu nunca faria. - ela respondeu friamente e exibindo mais um sorriso falso, eu já estava acostumada. - Eu preciso falar com a ...
- Pode falar. - Jacob interrompeu, dando um passo à frente.
- ... sozinha. - Lisa completou a frase, também dando um passo à frente.
Era bem claro que, mesmo que Lisa estivesse em "missão de paz", ela ainda representava perigo e ameaça à Jacob, e não havia nada que eu pudesse fazer para mudar isso. Me senti menor ainda no meio dos dois tão... fortes e imortais.
Jacob pareceu ponderar por um momento, depois voltou para trás e fez menção de sair do quarto. Lisa deu um sorriso vitorioso e se sentou na minha cama, cruzando os braços e se virando pra mim.
- Eu te espero lá fora. - escutei ele falando enquanto passava pelo corredor. - O cheiro ficou insuportável.
Me voltei para Lisa, esperei ela se levantar e desistir logo daquela pose chata pra caralho pra começar a me xingar por ter deixado ela sozinha na escola sem explicação alguma.
- Onde você está com a cabeça? - ela começou, andando em círculos parecendo a minha mãe. - Eu te falei inúmeras vezes que o Daniel pode estar atrás de você, obsessivo como ele é, e pode simplesmente resolver te matar a qualquer momento. E o que você faz? Sai correndo sozinha, Velozes e Furiosos por Warrenton correndo risco de morrer no meio do caminho!
Revirei os olhos, me sentindo uma criança que atravessou a rua correndo. Lisa continuou o monólogo por um bom tempo, até que eu fiquei em pé e fui até a porta do quarto, fechando-a com cuidado e olhando na sua direção.
- Quem tem problema é você! - apontei acusando-a. - Meu irmão aqui do lado e você fica gritando essas coisas? Quer acabar com o seu precioso segredo?
- Ah, foda-se! - Lisa finalmente abaixou a voz, fazendo nossa discussão ser um pouco estúpida com duas garotas sussurrando com raiva uma para a outra. - Você ainda sai e volta com uma porra de um lobisomem pra cá? Por que você foi atrás dele?
- Porque você nunca me responde nada direito! - fingi gritar, agitando os braços para expressar um pouco o quanto eu estava irritada. - Se você e Daniel parassem de me enrolar e começassem a responder de verdade o que eu tenho a perguntar, talvez eu nunca tivesse ido pra Talapus buscar quem me contasse tudo que eu quero saber!
Lisa não conseguia falar uma frase completa, apenas xingava aleatoriamente e passava a mão pelos cabelos loiros escuros que lhe caíam na testa. Ela tinha bastante raiva, algo que eu nunca havia visto, mas não me importei muito porque ela também teria que ouvir o que eu tinha a dizer.
- E quer saber? - continuei. - Que bom que eu fui pra lá. Agora eu sei a merda que Daniel andou fazendo por aí.
- E eu aposto que seus amiguinhos te encheram a cabeça para falar que eu também andei fazendo merda por Warrenton, não é?
- Na verdade não... - me lembrei das palavras de Sam, sobre Lisa nunca ter causado problemas. - Eles disseram o mesmo que você já me falou, que se alimenta de sangue humano, mas nunca matou ninguém no Condado... Ao contrário do seu irmão.
Lisa pareceu não acreditar. Ela desabou na minha cama e colocou as duas mãos no colo, encarado o chão e com algo parecido com choro nos olhos. Me sentei ao seu lado, tentando ser compreensiva mais uma vez mas sem saber ao certo do que fazer.
- Eu devo uma a eles então. - ela disse, triste. - , eu só quero achar o meu irmão!
Depois de tudo que eu havia visto, Lisa ainda era a criatura mais estranha que eu conhecera desde então. Ela era extremamente arrogante e debochada, depois era cheia de raiva e descontrolada para, então assumir um lado triste e silencioso. Tamanha foi a minha surpresa quando ela encostou a testa no meu ombro e suspirou várias vezes, fazendo aquela mesma coisa que parecia que ia levá-la às lágrimas - se vampiros pudessem chorar.
- É muito difícil ficar sem ele... - ela continuou, enquanto eu estava ainda sem reação. - Eu vivi quase toda a minha vida com ele ao meu lado, agora eu não sei o que fazer! Não sei onde ele está, quando volta... E eu me preocupo com ele, mas me preocupo com você também. Tenho medo que ele volte com raiva e resolva te matar. - ela se levantou e olhou para mim. - Isso é muito estranho e difícil de admitir, mas eu gosto de você. Gosto como se fosse a amiga que eu nunca tive e sempre precisei durante todos esses anos.
Coloquei minha mão automaticamente no ombro de Lisa e tentei consolá-la, o choque dentro de mim só aumentando. Nunca, nem em um milhão de anos, eu poderia sequer adivinhar que Lisa sequer me considerava, ainda mais que gostasse de mim e quisesse ser minha amiga. Ela própria havia dito que era contraditório... Ela querer Daniel de volta mas, também, temer por ele fazer alguma coisa comigo.
Legal, eu mal sabia lidar com um imprinting que ficaria comigo pro resto da vida, agora também tinha uma vampira desamparada que queria a minha amizade.
- Olha, eu preciso ir. - Lisa se levantou num salto. - Adam não quer que eu fique muito tempo fora de casa, ele está com medo de que eu vá embora assim como Dan...
- Eu entendo. - respondi, ficando em pé também. - Eu vou sair agora com Jacob, vou ficar segura, não se preocupe.
- Ah, vai sair? - ela arrumava o cabelo e se recompunha. - Troque de roupa então.
- O que?
- Ah, não me leve a mal, mas eu não usaria essa blusa nem em casa. - ela lançou um olhar cheio de críticas na minha direção. Ótimo, Lisa está de volta.
Antes que eu pudesse protestar, Lisa já estava revirando o conteúdo do meu armário com aquela rapidez maluca de vampiros. Todo mundo adorava fazer isso comigo, incrível.
- Pronto, tirar isso aí não vai te fazer mal. - ela apareceu na minha frente com uma blusa de renda branca e tecido leve.
- Eu vou morrer de frio. - falei assim que vi o que ela havia pegado.
- Vai nada. - Lisa me jogou a blusa e eu a peguei no ar, indo até a janela e fechando a cortina para poder trocar de roupa. Me virei de volta para mostrar o resultado. - Feliz?
- Na medida do possível. - é claro que ela não ia se dar por vencida. - Então, eu vou embora. Me leva até a porta? Não quero ter a cabeça arrancada por um lobisomem assim que pisar no jardim.
- Levo.. Ah, espera, eu preciso ligar para a minha mãe. - respondi, me lembrando de usar o telefone de casa.
Passei na porta de Matthew e gritei tchau, ao que ele respondeu com outro barulho indefinido. Peguei o telefone fixo e avisei Debra, pela secretária eletrônica, para onde estava indo e que levaria o carro. Bom, não era culpa minha que ela não tivesse atendido.
Lisa passou e me esperou ao lado, enquanto eu trancava a porta e colocava a chave no bolso junto com o celular. Jacob estava encostado no carro de Debra, ao lado do motorista, e encarava Lisa com a mesma raiva de antes, mas um pouco mais contida. Lisa se virou para mim e, surpresa novamente, me deu um abraço.
- Me ligue se acontecer alguma coisa. - ela disse, enquanto descíamos os degraus da varanda.
Ela ignorou Jake e correu até o carro estacionado do outro lado da rua, arrancando em alta velocidade em seguida. Observei enquanto o carro não sumia na minha rua e andei até onde Jake estava de braços cruzados e ainda com o olhar sério.
- Eu não entendo... - ele começou, desfazendo a pose e fechando os olhos.
- Nem eu, eu nunca entendo nada. - interrompi antes que ele também começasse o seu monólogo. - Mas deixa pra lá. Anda, vai para o outro lado.
- Não, eu vou dirigir agora. - e estendeu a mão na minha direção para que eu entregasse as chaves.
- Mas é claro que não. - respondi, fechando a mão em torno delas. - Que ideia é essa?
- Você não sabe pra onde vamos, então acho melhor eu fazer o caminho. - senti ele cobrindo o meu punho com a mão quente.
- Mas eu sei seguir direções. - tentei afastar ele de perto das chaves.
- Claro, disse a garota que se perdeu pra voltar pra casa.
Revirei os olhos mas ainda não entreguei as chaves. Ficamos apenas um encarando o outro enquanto ninguém tomava uma decisão de verdade. Nessas horas que eu entendia um pouco do que era o imprinting; ter ele ali tão perto que dava pra sentir sua respiração batendo na minha pele, eu quase podia beijá-lo se quisesse, mas eu ainda tinha essa mania de ter pé atrás com tudo. Jacob me olhava com a mesma intensidade, parecendo queimar por dentro e essa era uma sensação muito boa. Mas ainda assim não fizemos nada, éramos dois medrosos.
- Tá, você venceu. - entreguei logo as chaves na mão dele e fui para o banco do passageiro, fechando a porta com força e observando enquanto ele tirava tudo do lugar. - Mal sentou e já bagunçou o carro inteiro.
- Eu? - ele apontou para si mesmo, enquanto arrumava o retrovisor com a outra mão. - Você que dirige toda errada, olha só pra onde o retrovisor estava.
- O carro é da minha mãe... - justifiquei, mesmo que eu tivesse desregulado tudo assim que o peguei pela primeira vez.
- Sei, sei... - ele finalmente arrumou tudo do jeito que queria e colocou a chave na ignição.
Jake deu a partida e saiu da garagem, pisando no acelerador e indo muito mais rápido do que eu iria. Ele se dividiu entre se divertir com a minha inquietação e se irritar com o carro de Debra, mas isso logo passou.
- Ainda não vai me dizer pra onde estamos indo? - perguntei no meio do caminho, percebendo que ele havia tomado uma direção diferente.
- Não. Mas não espere grande coisa, ainda é Warrenton pra todos os efeitos.
- Tudo bem, eu não estava pensando em algo surpreendente demais. - admiti, embora ainda estivesse curiosa para saber para onde diabos iríamos. - Mas não custa me falar onde é...
- Só confie em mim, só isso. - e deu mais um daqueles sorrisos de lado e eu me calei antes que dissesse alguma besteira.
E eu era expert em dizer besteira.
1 comentários:
Olha minhas palavras podem ser poucas ou até mesmo fajutas ,talvez isso ñ ajude em nada mais vamos lá .A não sei explicar como eu realmente me senti ao ler suas palavras acho que foi a coisa mais singela que senti em toda minha vida ,eu senti tudo e como se sua história fizesse parte de mim sei o quanto e dificil escrever uma história e muitas vezes não correspondida com o mesmo sentimento ao qual vc escreve talvez eu seja mais uma que me identifico com tudo .Que apague as luzes do meu quarto e viva seu mundo sua história seu sentimentos ,todos nós temos sonhos e muitas vezes e difil pra nos mesmo acreditar naquilo .Talvez seja mais uma leitora que torce pra que a história continue por favor a termine ,peço de todo meu coração ,minha alma está ansiosa pra ver e contemplar o que tem preparado .Por favor a termine ,não por mim mais por vc nunca desista do seus sonhos ( nem sei mesmo por que escrevi isso mais espero que isso lhe motive a encarar as duras coisa da vida ,sem nem mesmo te conhecer te desejo felicidade pois assim vc fez meu coração quando lie o que vc tinha escrito ) Mais uma vez termine a História.